Oscar Ivan Prux
Tratando-se de serviços de interesse geral ou coletivo, nos quais se inserem os serviços públicos essenciais em relações de consumo, a responsabilidade civil está sujeita ao regime do CDC, mas nele não se esgota. Atualmente, diante da justificável preocupação com esses serviços de fundamental importância para a população, há uma profusão de normas tratando da matéria, sem que se possa observar conflitos significantes. Ao contrário, há uma notável complementariedade entre elas, como se pode observar pelo exame da jurisprudência. Principiam pelas determinações de nossa atual Carta Magna (em especial, o contido no artigo 37) e prosseguem por várias outras normas como as que tratam da concessão, permissão ou autorização para a prestação de serviços públicos, bem como, merecendo destaque especial, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor. E, nesta época de globalização e formação de blocos econômicos, naturalmente não podem ser desprezadas eventuais disposições constantes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário e tenha internalizado (consoante o artigo 7.º, do CDC). Por evidente, considere-se que todas essas normas quando aplicadas devem seguir detido respeito aos critérios da hierarquia, especificidade e recenticidade. Um detalhe relevante, entretanto, chama a atenção quando se trata de relações de consumo. Nas ações de responsabilização amparadas no CDC, pode ser pleiteada uma gama maior de alternativas em prol do consumidor, incluindo as providências que assegurem o resultado prático equivalente ao cumprimento da obrigação, enquanto que nas fundadas nos dispositivos constitucionais, por exemplo, apesar da adoção da responsabilidade objetiva na modalidade do risco administrativo (vide artigo 37, parágrafo 6.º) só cabe a indenização do prejuízo causado pela inexistente ou deficiente prestação do serviço. E é importante que em ações desse tipo, o julgador ao conduzir e dar desfecho ao processo, não se atenha apenas a ótica individualista postada no feito judicial e compreenda que nesses serviços essenciais fornecidos em massa, existe uma dimensão coletiva de extrema importância para a coletividade. O Direito tem que instrumentalizar sua aplicação levando em conta a efetiva preocupação com as demandas coletivas que são a maioria na prestação de serviços públicos, em especial nos essenciais. Vale ressaltar que, normalmente, o consumidor não participa das démarches e negociações que encetam as cláusulas dos contratos para o fornecimento de serviços públicos, mas é quem ao final paga a conta do fornecimento do serviço, razão pela qual deve ser mais protegido tanto em termos individuais, como coletivos. E mais, atente-se que as empresas públicas ou concessionárias costumam tentar respaldar suas condutas com base em normas das Agências Reguladoras (nacionais e estaduais). Todavia, independente da acusação, verdadeira ou não, que se propaga de que elas são “aparelhadas” com dirigentes que defendem os interesses apenas das empresas, o fato é que estas não têm como objetivo primordial proteger aos interesses dos consumidores, mas sim regular o funcionamento do mercado, sendo possível que neste contexto as posições sejam divergentes, implicando na necessidade de proteção mais específica para os destinatários finais desses serviços. E embora possam ser úteis, os Conselhos de Clientes (ou de Usuários) que antes do processo de privatizações cumpriam interessante papel proporcionando soluções administrativas, desde que passaram a ser legalmente obrigatórios em algumas empresas (exemplo: de telefonia), deixaram de ser confiáveis, pois elas trataram de torná-los subservientes aos seus interesses. E, por derradeiro, considere-se que, na realidade atual, os Procons têm sido pouco efetivos, tanto por falta de um poder maior de coerção, quanto pela ausência de uma melhor instrumentalização (muitos deles, sequer promovem audiências ou fiscalizações, bem como, há os que são chefiados por pessoas indicadas sob critério político, sem conhecimento adequado de Direito do Consumidor). Esse contexto, então, acirra a litigância e provoca um aumento substancial de ações judiciais, principalmente nos Juizados Especiais que já não conseguem dar conta célere de tanto trabalho.
Pois bem, tratando-se de relações de consumo envolvendo serviços essenciais, a solução pode advir se forem dados mais poderes aos Procons, não só no sentido de dar coatividade às suas decisões, mas, igualmente:
a) impondo, mediante legislação específica, que aqueles que o chefiam devam ser, obrigatoriamente, advogados com formação em Direito do Consumidor;
b) que em cada reclamação, sempre sejam realizadas audiências e que existam nos Procons, pessoas tecnicamente treinadas para atuar mediante o instituto da mediação, no sentido de encontrar formas construtivas para resolver as questões;
c) fazendo com que, até um determinado valor, as decisões dos Procons nesse tipo de casos, tenham validade idêntica ao de um laudo arbitral ao qual os prestadores de serviços públicos tenham de se submeter, sendo que se o problema não se solucionar e acabar em ação judicial, o Juiz receba esse documento como uma decisão advinda de compromisso das partes de se submeter-se a ela, de modo que, após a simples manifestação das partes, apenas em caso de vícios formais ou legais que lhe imponham nulidade (sem que seja adentrada a análise do mérito), possam deixar de ser imediatamente cumpridas. Ou seja, de forma ágil partir-se-á para uma decisão judicial que dirá se o laudo é nulo ou deve ser imediatamente cumprido (sem possibiliade de transformar-se em precatório), o que deverá acontecer na maioria dos casos.
Considerado o regime de monopólio ou oligopólio que impera no setor de fornecimentos, as empresas tem poderio elevado frente ao consumidor, de modo que são necessários instrumentos para equilibrar essa relação. Paralelamente, a quantidade de reclamações administrativas e em ações que tramitam na Justiça mostram que frente a esse poderio das empresas que prestam serviços públicos essenciais, confiar apenas na existência de um regime de responsabilidade objetiva (e na inversão do ônus da prova), não é suficiente para fazer com que essas relações de consumo fiquem isentas de mazelas e benéficas para todos os envolvidos, principalmente para os consumidores que tanto precisam desses fornecimentos. Daí a sugestão de novos instrumentos que possam transformar para melhor essa realidade.
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.