Há que se acreditar em utopias para a que a sociedade siga evoluindo. Ao perceber a lentidão do Poder Judiciário na solução definitiva dos processos, pode-se crer que só quando estes serviços forem abrangidos como relações de consumo com todos os deveres de qualidade em sua prestação, é que poderemos voltar a ter esperança. Por ser inusitada, esta idéia pode parecer absurda, mas não deixa de ser um caminho em vista de que as iniciativas até agora encetadas não produziram resultados convincentes. Houve tempo em que responsabilizar o Estado também era considerado um absurdo, assim como a inclusão dos serviços públicos no CDC, mas agora tudo mudou. Há, portanto, que se ter a consciência de que os serviços judiciários precisam respeitar marcos de qualidade em seu fornecimento. A questão não seria de terceirização da Justiça para ser explorada pela iniciativa privada e nem se equipararia à mediação ou arbitragem, mas sim desse fornecimento ser um serviço público sujeito à aplicação do CDC (Lei 8078/90), com todas as exigências pertinentes. Diz o art. 22, do referido Código: ?Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos?. E serviços eficientes e adequados só podem ser os que são fornecidos em tempo razoável (?justiça tardia não é justiça!?). Observe-se que justiça é serviço essencial e a lentidão do andamento dos processos equivale a sua paralisação, mesmo que intermitente e temporária. É, portanto, muito razoável que, com pequenas adaptações legais e práticas, o fornecimento desses serviços possa ser considerado relação de consumo, ainda mais quando as partes pagam as respectivas custas correspondentes aos atos (e ambas as partes estão sujeitas ao pagamento, seja inicialmente, seja depois na sucumbência). Há vários sistemas de custas vigentes no país, por isto a necessidade de certas adaptações, observando-se que quando existe pagamento específico tal como ocorre no Paraná quanto a atos como citação, notificação e até autuação, trata-se de um serviço tal como o definido no CDC. E não se alegue impossibilidade, pois é viável se a sociedade desejar, tal como aconteceu com as modalidades novas de investimentos e prestação de serviços (a exemplo da aprovação das Parcerias Público Privadas). Não se trata da parte pagar para receber a decisão que lhe agrada, mas sim ter respeitado o devido processo legal e receber uma decisão justa e célere (a parte querer que o processo demore é uma anomalia que não pode ser amparada).

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Tem-se a certeza de que, neste momento, esta idéia seria rejeitada nos Tribunais. Entretanto, o tempo deverá mostrar que não existe razão lógica para que serviços públicos, mesmo quando pagos indiretamente (via impostos), não necessitem apresentar a mesma qualidade dos fornecidos em relações de consumo. E considerar como relação de consumo complexa, os serviços empregados para que um processo judicial receba decisão definitiva, trará imposição legal com a solução deles em tempo razoável, sob pena de responsabilização. Atualmente não existe compromisso sequer moral do processo tramitar celeremente, pois há dentro do Judiciário um sentido de responsabilidade difusa, onde ninguém se sente realmente envergonhado por um processo demorar tantos anos. Note-se a importância de uma nova sistemática enquanto não temos a instalação de uma Corte Internacional a qual os brasileiros possam recorrer quando seus processos ficarem anos sem solução. Se nada for feito, o Estado em um de seus poderes (Judiciário) não incrementará solução e ninguém será responsabilizado tal como vem acontecendo. Está idéia aparentemente despropositada sob o ponto de vista jurídico, naturalmente dependeria de algumas novas medidas legais e novos paradigmas doutrinários e jurisprudenciais, mas chegará o dia em que os serviços públicos, sejam uti singuli, sejam uti universi, terão de apresentar a mesma qualidade dos serviços fornecidos pela iniciativa privada (mediante remuneração), ou então, nosso país nunca será desenvolvido. Não conheço quem esteja satisfeito com o tempo médio de 8 anos que o Poder Judiciário gasta para dar solução definitiva aos processos que lhe são submetidos. E, apesar da aprovação da Súmula Vinculante, quem conhece por dentro o funcionamento do Poder Judiciário não encontra motivos para crer na sua reforma nos moldes em que está sendo feita. Existe um notório amadorismo na administração desse processo (a exemplo da questão das férias forenses, antes eliminadas sem haver a coragem de retirar o direito a duas férias por ano para os Magistrados e sem sequer contar quantos deles seriam necessários para o Judiciário funcionar ininterruptamente mantendo o referido privilégio). Note-se que para melhorar estes serviços, basicamente, se fala sempre em mudar as leis, pois estas permitem muitos recursos e procrastinações. É até natural que a lei seja sempre a primeira a ser atacada, pois advogados, juízes e promotores reagem de imediato quando alguma mudança os afeta, enquanto a lei não tem como se defender. Portanto, somente quando, naquilo que for pertinente (devido processo legal e celeridade na decisão), submeter-se estes serviços às regras estabelecidas para as relações de consumo, com responsabilização do Estado (e direito de regresso quando for o caso), é que teremos uma real evolução nesta área.

O utópico de hoje pode ser a realidade do amanhã, basta que a sociedade o deseje. Os sistemas sociais não vieram prontos e imutáveis com o surgimento do universo, mas são criações humanas, podendo ser objeto de reforma quando a sociedade assim julgar necessário.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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