Foram anos de polêmica, mas já não mais se discute a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90) às atividades bancárias fornecidas para consumidor. Entretanto, mudou o cenário nestes 17 anos desde a aprovação do CDC e a consolidação judicial de sua aplicabilidade às atividades bancárias para destinatário final. A inflação caiu no país e as empresas bancárias reduziram seu quadro de funcionários, passando a investir em auto-atendimento através da internet ou de caixas automáticos e, também, em espécies de terceirizações pelas quais outras empresas, dentre elas, as casas lotéricas, passaram a realizar alguns tipos de serviços que antes eram exclusivamente praticados pelos bancos. Esta, também, foi à fórmula encontrada pelos bancos para procurar fugir das penalizações que começaram a se acumular devido à demora no atendimento de seus clientes. Ou seja, para diminuir o fluxo de clientes nas agências e a demanda por funcionários, foi praticamente imposto aos consumidores, escolher entre ir à agências bancárias quase sem funcionários para atender a todos os clientes, ou contentar-se com o auto-atendimento nem sempre acessível para os carentes de inclusão digital ou, ainda, adotar a opção de recorrer a casas lotéricas como forma de obter serviços que antes somente a agência bancária praticava. Quanto a este último tipo de atendimento, vale ressaltar que, devido a tratar-se de setor regulado pelo Banco Central e só afeto aos bancos, a casa lotérica não abre contas correntes bancárias e nem possibilita atendimento por internet ou caixa eletrônico, mas apenas realiza atos que implicam em contato com o consumidor e ajudam a desafogar as filas nas agências, basicamente o recebimento de contas. Formou-se, então, uma cadeia de fornecimento pela qual a casa lotérica atende ao consumidor no pagamento de contas e o banco realiza o restante da tramitação, obedecendo ao que prescrevem as autorizações do Banco Central.

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A questão está em que, para conseguir ser atendido, o consumidor viu-se compelido a trocar a fila dos caixas nas agências bancárias, pela fila em frente às máquinas automáticas de auto-atendimento ou a fila dentro das lotéricas, geralmente ambientes acanhados e nada adaptados para receber um número grande de pessoas. Objetivamente, então, com esta espécie de terceirização de determinadas atividades, apenas foi transferido o problema de lugar e os consumidores continuaram a receber atendimento inadequado em vários sentidos. Dentre outros problemas, na quase totalidade das casas lotéricas: – encontram-se filas com falta de espaço principalmente quando existe acúmulo de prêmio em sua atividade fim (que é a venda de apostas de loteria); – não são tomadas medidas para limitar a demora no atendimento e nem sequer tem-se a distribuição de senhas; – não há banheiros para o público; – não existem bancos para os consumidores aguardarem sentados; – e não há portas de segurança e nem mesmo uma segurança em si (no máximo, uma câmera com a frase ?Sorria, você está sendo filmado!?). Por conta disto, reafirmamos que os abusos perpetrados por maus serviços prestados aos consumidores nesta área, apenas mudaram de localização, e isto exige providências.

Para efeitos de determinar a lei aplicável a este tipo de relação de consumo, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3.º, parágrafo 2.º, diz textualmente: ?Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes de relações trabalhistas?. Desta forma, se observa que a lei não faz distinção quanto ao tipo de empresa que pratica o serviço, mas simplesmente disciplina a prática dele no mercado de consumo. Portanto, tudo o que se aplica aos bancos quanto a estes serviços, por lógica, sendo o mesmo tipo de atividade, também deve ser aplicado às casas lotéricas. Ou seja, as casas lotéricas devem estar obrigadas a atender em tempo razoável (até 20 minutos), a possuir banheiros para os consumidores e bancos para acomodar quem está esperando, a manter segurança e a providenciar o que mais for necessário para fornecer atendimento de qualidade, respeitando todos os direitos dos consumidores de seus serviços.

Naturalmente, há resistência das casas lotéricas que alegam não ter condições de cumprir tais exigências, mas não negam o interesse em manter esses serviços que lhes proporciona ganhos expressivos. Como tudo o que envolve interesses econômicos de um setor inteiro e também de empresas com proteção de oligopólios e considerável poder econômico (como é o caso dos bancos), por evidente, as tentativas de impor normas para que exista a devida qualidade no atendimento sempre encontra imensa resistência por parte dos envolvidos neste tipo de fornecimento. Contudo, não há razão plausível para que este setor possa eximir-se de cumprir o Código de Defesa do Consumidor e prosseguir as mazelas que afligem aos consumidores quando necessitam pagar suas contas. Quem aufere o proveito deve arcar com os deveres pertinentes. E mais, nesta área, a competência é concorrente e pode haver legislação municipal, estadual e nacional, de modo que, ignore-se a nova polêmica que está se formando, sempre que as Câmaras Municipais aprovam leis que estendem para as casas lotéricas, o que já é obrigatório para as agências bancárias. Tal ato é perfeitamente legítimo e oportuno para o atendimento de demanda importante da coletividade. O direito a terceirizar não exclui as responsabilidades pertinentes à prática do serviço e não supera o dever de respeito aos direitos dos consumidores, pois estes são de ordem pública e interesse social.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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