É de preocupar a notícia estampada no Jornal O Estado do Paraná do dia 9/11/08, de que medidas liminares impedem a Agência Nacional de Saúde de investigar os efeitos para a saúde humana, de doze produtos que integram agrotóxicos muito utilizados nas lavouras de arroz, feijão, milho, soja, laranja, trigo, maçã e outros tipos de frutas, verduras e legumes. Preocupa mais ainda a informação de que existe uma possível falta de sintonia e apoio por parte do Ministério da Agricultura para que estes estudos sejam realizados, pois trata-se de permissões de comercialização de alguns agrotóxicos já proibidos em outros países, mas que continuam a ser comercializados em nosso país. Considere-se que tanto faz o tempo que um produto já esteja no mercado, a investigação nunca é despicienda, pois a ciência evolui e com suas conquistas se pode vir a descobrir os efeitos reais de cada produto, seja uma nocividade antes desconhecida, seja a garantia de que são seguros para consumo humano. Ao se alimentar, o consumidor age imbuído de plena confiança na qualidade do produto, ficando indefeso diante de qualquer substância que esteja oculta e venha afetar sua saúde, talvez de forma irreversível. O consumidor não tem condições de providenciar o exame químico de cada produto que ingere.

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Assim, quando nos processos de produção e outros procedimentos ligados ao fornecimento não são tomadas as maiores cautelas possíveis, todos ficamos expostos a um risco sobejamente elevado. Era de se esperar, portanto, a existência de mais harmonia e denodo neste cuidado por parte de todos os integrantes da cadeia de fornecimento e, em especial, dos órgãos que fazem a regulação relacionada com essa área. O fato de, em outros países, ter havido a mencionada proibição, sinaliza que novas pesquisas comprovaram efeitos deletérios que antes não eram conhecidos e que agora não se pode desconsiderar devido a interesses comerciais ou simples comodismo. A população não merece riscos desnecessários decorrentes da aplicação de agrotóxicos sob suspeita. Independente de qualquer polêmica ou discussão quanto a venda destas mercadorias para os agricultores enquadrar-se ou não como relação de consumo, o fato é que produtos com defeitos (falta de segurança) devem ser banidos do mercado. Para essas situações, sob o ponto de vista jurídico, é muito importante que se adote sempre a concepção de relação de consumo em sentido amplo. Através dela, em negócios jurídicos nos quais participam apenas fornecedores e sem que ainda esteja identificado concretamente o consumidor, uma vez estando envolvido interesse deste último, é permitida a utilização do CDC para que, já nas raízes do processo que leva da produção ao consumo, ocorram medidas destinadas à proteção deste destinatário final, dentre elas a proibição de fabricação, comercialização e uso. Note-se que o agricultor não faz pesquisas e depende das proibições e ações indicativas de quais produtos são nocivos e não devem ser utilizados na lavoura. É um contexto no qual todos dependem de ações indutivas, fiscalizações e punições para que as práticas nessa área sejam as mais corretas possíveis.

A Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) é bem clara quanto ao dever de presença e ação governamental no mercado de consumo como forma de assegurar garantia de produtos com padrões adequados de qualidade e segurança, sempre no sentido de proteger efetivamente aos consumidores (art. 4.º, inc. II, letra “c”). No mesmo sentido, os artigos 8 a 12, prescrevem expressamente o dever preventivo e efetivo de segurança, imputando responsabilidade objetiva (independente de culpa) para quem, nestes casos, atua como integrante da cadeia de fornecimento. Observe-se que na apuração à respeito do produto ser ou não defeituoso (questão da segurança), levam-se em conta a sua apresentação, os usos e riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que está sendo comercializado. Ora, mesmo que estes produtos sejam tradicionais por já estarem no mercado faz muito tempo, deve-se atentar para as condições atuais em que técnicas novas permitem estudos mais avançados. A análise se os benefícios que um produto proporciona compensam os riscos que ele causa, deve ser feita de acordo com a realidade atual. Muitos dos riscos que antes podiam ser considerados inerentes (razoáveis e tolerados pelo Direito, devido a serem normais e prevísíveis), com os avanços da ciência vieram a perder essa condição. Assim, convém que os fornecedores se acautelem e deixando de mirar apenas no aspecto dos interesses comerciais da indústria produtora, dos comerciantes e mesmo dos agricultores acostumados à utilização desses produtos, posicionem-se pelo incentivo a essas pesquisas, única forma de não correrem o risco de virem a ser responsabilizados no futuro, já que neste caso, as excludentes estabelecidas no CDC para eximi-los de um dever de indenizar, de pouco ou nada lhes servirão. Além dessas eximentes representarem uma espécie tácita de inversão do ônus da prova que lhes dificultará a defesa em juízo, considere-se que eles terão enormes dificuldades para demonstrar que não colocaram o produto no mercado ou que a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro. E, quando pesquisas e fatos estiverem apontando em contrário, muito mais difícil será provar a inexistência de defeito no produto. Portanto, a reportagem do Jornal O Estado do Paraná lançou foco sobre um problema que merece atenção e mobilização imediata em prol da realização dessas pesquisas, pois somente assim se conseguirá, ou extirpar do mercado de consumo os produtos nocivos, ou ter a garantia de que os alimentos que comemos são realmente seguros para a nossa saúde.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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