Segurança do consumidor: o problema dos produtos e serviços de tecnologia ultrapassada

Há no Código de Defesa do Consumidor, um dever geral de abstenção de riscos nos fornecimentos de produtos e serviços. Entretanto, compatibilizando-se a realidade factual, o CDC diz expressamente que um produto ou serviço não é considerado defeituoso pelo fato de outro com melhor qualidade ter sido colocado no mercado (arts. 12, § 2.º e 14, § 2.º). É evidente que o lançamento de um novo produto ou serviço mais seguro (às vezes, mais sofisticado ou luxuoso e caro), não justifica que os produtos ou serviços existentes no mercado, automaticamente, devam ser banidos por serem considerados defeituosos. O direito não pode ignorar as condições existentes no contexto social. Todavia, entendemos que essa afirmativa deve ser interpretada com grande cautela. Pondere-se que uma simplista adstrição ao que está literalmente escrito nos mencionados dispositivos pode, na prática, conduzir para notórios prejuízos ao direito à segurança previsto para proteção dos consumidores.

Interessante artigo de Manuel da Cunha Carvalho, intitulado ?Produtos seguros, porém defeituosos: por uma interpretação do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor? (Revista de Direito do Consumidor, n.º 5, RT), mencionou que desde a década de 70 já era objeto de discussão nos Estados Unidos, a questão da responsabilidade do fabricante por danos ao consumidor em função do produto fornecido ser de modelo antigo e inadequado aos novos e mais recentes recursos tecnológicos disponíveis. Ou seja, os casos em que, se adotadas as novas tecnologias, ter-se-ia eliminado o risco de inúmeros acidentes. E aí surgem as seguintes questões: Até que ponto o fornecedor pode continuar colocando no mercado, produtos superados tecnologicamente e que deixam de apresentar requisitos mínimos de segurança compatíveis com o Século XXI, tais como os automóveis sem air bags e sem freios a disco com abs de série? Por que tolerar a manutenção no mercado, de um tipo de embalagem que ofereça risco de contaminação, quando já tenha sido descoberta outra mais segura? Qual a razão para aceitar-se uma cirurgia com corte de grandes proporções, quando seja possível uma artroscopia de mínima incisão? Até que ponto o fornecedor pode manter-se praticando serviços ancorados em técnicas ultrapassadas, omitindo-se de adotar aquelas que sendo tecnologicamente mais avançadas, são capazes de manter o consumidor mais isento de riscos? Até quando se pode aceitar que em nome da preservação de interesses puramente econômicos, se deva tolerar como sendo seguro, um produto ou serviço cuja prática adotada já poderia ter sido substituída por outra menos passível de oferecer riscos ao consumidor? Será que a classificação do produto ou serviço como sendo seguro ou defeituoso pode ser mantida estática no tempo?

Certo é que entre o ambiente dos laboratórios e centros de alta tecnologia, e o ambiente do consumidor comum, existe um espaço muito grande, até porque esse consumidor pode estar em local isolado, onde não estão acessíveis as melhores tecnologias. Também as próprias condições materiais encontráveis em nossa sociedade, fazem com que possa ser grande o abismo entre o disponível na tecnologia de ponta e o que é viável economicamente no mercado. Os fatores que podem influir neste contexto são muitos, tais como: a) ser comum o fornecedor querer manter aquele tipo de fornecimento que já está acostumado a praticar, seja por acomodação (para não precisar investir em equipamentos ou qualificação de mão-de-obra) ou por ainda ter estoque antigo, seja porque lhe é mais rentável (inclusive porque seu menor custo atrai mais aos consumidores); b) a possibilidade do consumidor mostrar-se temeroso em adquirir algo com a nova tecnologia ainda desconhecida para ele, de modo que venha a preferir fornecimento a que já esteja acostumado; c) a falta de demanda devido ao alto custo do produto ou serviço; d) o fato do fornecedor costumar omitir-se de adotar a nova tecnologia, em razão de que tal fato o deixaria mais vulnerável para ser condenado a pagar reparações em questões envolvendo os danos decorrentes dos produtos e serviços anteriormente fornecidos e sob suspeita de serem causadores de acidentes.

O conjunto dessas considerações impõe perceber que nem sempre se justifica que apesar dos avanços encontráveis no mercado, o fornecedor insista em continuar a fornecer produtos ou serviços tal como no passado. Se já há técnica nova capaz de eliminar os riscos, essa mais moderna deve ser adotada, desde que apresente as características de ser concretamente acessível, e viável no local e nas circunstâncias do fornecimento (o fornecimento em escala maior é suficiente para tornar acessíveis os preços). Quando, sem justificativa plausível e inquestionável, o fornecedor opta por técnica obsoleta, cujos riscos podem ser considerados anormais e injustificados nos tempos atuais (omitindo-se de adotar a mais avançada e segura), pratica fornecimento defeituoso, devendo responder por tal ilícito. Evidente que na análise destas questões cabe considerar certos elementos fáticos do fornecimento, tais como, a necessidade emergencial do produto ou serviço, o seu local de fornecimento e demais circunstâncias que possam realmente justificar a prática, tudo sem olvidar aspectos como o modo e a época em que foi fornecido, bem como, os riscos que razoavelmente dele se esperam.

Observe-se que o risco outrora tolerável em razão de ser inevitável (inerente), com o tempo deixa a esfera permitida pela ordem jurídica e fatalmente adentra o rol daqueles que devem ser coibidos. Riscos sempre existirão em todo e qualquer fornecimento, porém tolerá-los deve ser condescendência só aceitável quando muito bem justificada.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.