Relação de consumo: novas regras para as amostras grátis

Oscar Ivan Prux

Diante de tantas situações prejudiciais aos consumidores, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabeleceu novas regras para as amostras grátis colocadas no mercado. A rigor, sob o ponto de vista econômico e do Direito do Consumidor, nada é grátis no mercado de consumo, nem mesmo essas amostras de remédios comumente entregues como cortesia pelos médicos aos seus pacientes. Ocorre que, a relação de consumo se caracteriza havendo remuneração direta ou indireta do produto ou serviço e, nesse caso, fica evidente que, pelo processo econômico denominado de internalização, o valor das amostras é incluído no preço das demais unidades que são vendidas aos consumidores. Portanto, insere-se como relação de consumo, sendo que a amostra deve ter exatamente a mesma qualidade do produto vendido na farmácia, restando para o fornecedor idênticos deveres e responsabilidades nessa relação de consumo. A amostra grátis é uma técnica comercial para atrair o consumidor para utilizar determinado medicamento, de modo que em havendo sucesso no tratamento, este e seu médico tendem a preferí-lo no caso de necessidade de tratar novamente a doença. Também divulga positivamente o produto junto a comunidade médica. O detalhe está em que apesar de ser uma técnica sutil de marketing, a qual, inclusive, parece uma benesse para o paciente e coloca o médico em posição simpática frente a ele, tradicionalmente tem sido uma prática muito desvirtuada. Exemplos: a) imagine-se um consumidor que com a receita médica indicando para tomar durante, no mínimo, cinco dias (a razão de três comprimidos diários), determinado antibiótico de última geração. Como agrado, durante a consulta o médico lhe presenteou com uma cartela do remédio contendo nove comprimidos. Nessa circunstância, tratando-se de produto caro e não tendo dinheiro para comprar o restante da medicação, ao final do terceiro dia o paciente interrompe o tratamento e dessa forma, além de não se curar, adquire imunidade que o fará ter de recorrer a outro medicamento; b) de outro modo, dispondo dos recursos, adquire o medicamento, mas somente encontra nas farmácias, cartelas com doze comprimidos, sendo que ao final do tratamento lhe sobrará quase a metade que na maioria dos casos acaba desperdiçada. Ou seja, o consumidor pagou pelo que lhe será inútil e, na realidade, a amostra grátis não lhe trouxe economia, tendo apenas servido para o laboratório conseguir vinculá-lo a comprar o seu produto. Essas são algumas das mazelas típicas desse mercado e que a resolução da ANVISA intenta coibir.

Sob a ótica da proteção à saúde pública e, em especial, ao consumidor, indispensável é que nesse tipo de relação de consumo (repetimos: entrega de amostra grátis integra relação de consumo) exista evidente boa-fé objetiva dos fornecedores. Nunca esquecendo que esse tipo de boa-fé (em contraposição à subjetiva, que é a consciência interna de agir segundo o direito) deve ser exteriorizada na conduta de todos os que compõema cadeia de fornecimento ligada a esse mercado. Ou seja, trata-se de um padrão ou standard de comportamento leal e contributivo para que o consumidor, além de não ser enganado, efetivamente possa retirar da relação de consumo o que ela tenha de melhor, no sentido de satisfazer sua legítima expectativa conforme o prometido na contratação. Em específico, quanto às práticas ligadas as amostrar grátis, alguns dos procedimentos adotados pelos laboratórios realmente eram problemáticos, sendo essa a razão pela qual, a ANVISA editou a nova legislação que prevê: a) que as amostras grátis devem ter o mesmo padrão de qualidade e conter na embalagem as mesmas informações do produto vendido nas famácias; b) que nas embalagens deve haver a inscrição “venda proibida”; c) que médicos, odontólogos e veterinários são responsáveis pela conservação e validade das unidades em estoque mantidas em seus estabelecimentos; d) e, que ao brindarem o paciente com amostras grátis de antibióticos, os profissionais de saúde devem entregar a quantidade total suficiente para todo o tratamento. Essa última prescição legao é preciosa para a proteção da saúde pública e interesses específicos do consumidor, pois com essa medida se poderá evitar que o tratamento incompleto provoque resistência aos micro-organismos causadores da infecção, agravando a doença.

Em nosso país vigora o princípio da livre iniciativa protegido pela Constituição Federal. Isso permite que os laboratórios e profissionais de saúde adotem as técnicas de marketing que consultem seus interesses. Entretanto, essas estratégias de mercado devem ter seus limites, pois a proteção à saúde da população e dos interesses dos consumidores também são princípios constitucionais. Assim, havendo conflito entre os interesses empresariais e os da população como um todo (em especial, os dos consumidores), pelo critério da preponderância, devem prevalecer os últimos por serem de maior relevância.

Essa resolução da Anvisa não apenas vai propiciar maior proteção aos pacientes, mas igualmente terá o efeito de educar para o consumo, esclarecendo e desvendando para os consumidores, como funciona e o que realmente é e representa uma amostra grátis. Ou seja, que ela não é grátis e que jamais deve ser instrumento para prática de mercado com potencial para enganar e prejudicar aqueles consumidores que, ao recebê-la, pensam estar sendo beneficiados.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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