Vivemos um sistema que, direta ou indiretamente, sempre privilegia o consumo. Incessantemente, o marketing o incentiva sob todas as formas. As pessoas vivem em torno dele e com ele sentem seus desejos e constroem seus sonhos, naturalmente provocando interferência considerável em sensações psicológicas de felicidade ou tristeza. Vai além de resolver o problema das necessidades naturais para a sobrevivência ou mesmo para propiciar vida com qualidade. O que é supérfluo encontra muito espaço nesta área e interfere decisivamente em muitos hábitos e orçamentos. O tempo todo, a economia gira em torno do consumo que puxa e impulsiona a atividade empresarial, a empregabilidade e o movimento econômico-financeiro. Na sociedade atual, aumento de vendas é sinônimo de sucesso. Datas, locais e eventos são formatados basicamente para incentivar o consumo e quanto maior ele for, mais será considerado um momento de progresso. O final de ano, com Natal e Ano Novo, sempre foi pródigo em confraternizações e festas que incrementam o consumo. O décimo terceiro salário e o 1/3 a mais relativo às férias, normalmente desfrutadas no final de um ano e começo de outro, colocam mais renda em mão das pessoas. Com dinheiro na mão, sentimentos natalinos no coração e vontade de desfrutar a vida, as pessoas costumam ir às compras, principalmente quando o crédito é fácil e farto (mesmo que caro) e a economia vai bem no país. Na virada de 2007 para 2008, o aumento de pedidos fez com que a indústria comemorasse o melhor Natal dos últimos dez anos. E mais, um número elevado de empresas segue atuando com demanda aquecida e produção próxima a 100% da capacidade instalada. Paralelamente, o comércio festejou o aumento de 8% nas vendas em final de 2007, considerado o mesmo período do ano anterior.
Com tanta produção e vendas para consumo, há otimismo na economia do país. Contudo, cabe refletir até que ponto este sistema em que vivemos é realmente bom para as pessoas. Até que ponto, vamos poder aceitar como natural, todo este consumo que vai além do necessário e ingressa no rol das futilidades? Com a criação incessante de novos produtos incentivados por meros modismos e seu descarte em velocidade impressionante, até quando a natureza vai suportar um sistema que só funciona bem com muita produção, elevado consumo e geração de lixo em quantidades estratosféricas? Considerada a elevação da temperatura da terra, fruto da atividade industrial, dos hábitos de consumo e da geral degradação da natureza com eliminação de matas e poluição da atmosfera e dos mananciais de água, até quando o planeta terra vai continuar habitável? Com países desenvolvidos e emergentes consumindo toneladas de cimento, ferro e aço e a indústria de alta tecnologia (celulares, artigos de informática, etc.) descartando anualmente grande parte de seus produtos, até quando teremos um meio-ambiente saudável? Para disputar a liderança mundial, as principais montadoras planejam vender 10 milhões de veículos cada uma e é incontável a quantidade de produtos que as indústrias do setor de informática e eletroeletrônica pretendem vender, mas há lógica em comemorar estas disputas de mercado enquanto as cidades enfrentam graves problemas para dar destino ao lixo nelas produzido?
Naturalmente, é recomendável manter os princípios da livre iniciativa que fazem parte importante do sistema democrático-liberal, porém é irreversível que precisamos direcionar melhor a produção, a distribuição e o consumo. Ou seja, compatibilizar o objetivo de suprir as necessidades mais importantes para a qualidade de vida das pessoas, a empregabilidade (indispensável para o ser humano obter recursos e realização pessoal com dignidade) e a sustentabilidade social do consumo com preservação do meio-ambiente. Conjunturalmente, então, precisamos menos consumo, entretanto, contraditoriamente, ante a necessidade de desenvolvimento nacional e, principalmente, para superação da desigualdade que aflige a população brasileira, em certos setores ainda se impõe incrementar um aumento do consumo. Os últimos 5 anos serviram para que 20 milhões de pessoas das camadas mais pobres da população brasileira ascendesse a classe C, mas somente no último ano chegou-se ao nível de 60 milhões de pessoas com renda mensal acima de R$ 500,00, Ou seja, com condições mínimas de consumo. Para vasto contingente de seres humanos em deprimentes condições de pobreza ainda faltam bens essenciais para assegurar alimentação saudável, habitação, vestuário adequado, educação e saúde para pessoas de todas as idades, em especial crianças e idosos. Neste contexto, então, fica evidente que aumentar o consumo condiz com proporcionar um mínimo de dignidade e qualidade de vida para eles (desde que não direcionem sua parca renda para adquirir bens supérfluos e artificialidades). Mesmo observando outras realidades, o professor Gilles Lipovetsky, concorda com a assertiva de que, em certos aspectos, este aumento de consumo respeita a justiça social para as pessoas mais pobres. Todavia, considerando os hábitos atuais de futilidade e de atrelamento psicológico do consumo à felicidade (ignorando ou relevando suas conseqüências problemáticas), adverte com sabedoria: ?Precisamos, claramente, de menos consumo, entendido como imaginário proliferante da satisfação, como esbanjamento de energia e como excrescência desregrada dos comportamentos individuais. Impõe-se a regulação e a moderação, o reforçar das motivações menos dependentes dos bens de consumo. É necessário proceder a mudanças por forma de assegurar, não só um desenvolvimento econômico duradouro, mas também existências menos desestabilizadas, menos atraídas pelos prazeres consumistas? (?A felicidade paradoxal ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo?, Edições 70, Lda.).
Para todas as atividades deve haver limites e não poderemos manter, indefinidamente, esta sociedade centrada em aumento permanente de consumo (e respectiva produção) de bens materiais, ligando-os a felicidade que muitas vezes restringe-se apenas a sensações ilusórias. A inteligência nos impõe racionalizar, limitando e direcionando qualitativamente o consumo como solução para encontrar as melhores formas de viver. A natureza que nos cerca e a que existe dentro de nós, já mandou seu recado: queremos vida e verdadeira felicidade, mera sobrevivência ou tragédia?
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.