A previsão contida no inciso VIII, do artigo 6o, da Lei nº 8.078/90 (CDC), no sentido de que deve haver facilitação para que o consumidor consiga demonstrar o seu direito, quando visualizada com outros dispositivos do código, conduzem para algumas considerações técnicas que não se pode dizer sejam isentas de pontos objeto de controvérsias. Faz-se referência, não a modalidade de inversão do ônus da prova que está prevista para ser a critério do juiz quando, no processo cível, for verossímel a alegação do consumidor ou quando este for hipossuficiente, mas sim, as questões que se relacionam com as situações de inversão tácita e de inversão obrigatória do ônus da prova. Trata-se de exame técnico da sistemática do CDC, forma de procurar entendê-lo com um mínimo de profundidade e noção de conjunto, bem como indicar as conseqüências dessa conjuntura para os agentes das relações de consumo.

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No que concerne a inversão obrigatória do ônus da prova, o Código de Defesa do Consumidor é explícito quanto a situações em que tal medida se aplica por força de lei (e não a critério do juiz). É o que ocorre com relação à publicidade, pois ?o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina? (CDC, artigo 38). A razão está em que a publicidade faz parte da oferta, que é a demonstração unilateral do desejo de contratar, demonstração esta que deve vir acompanhada dos elementos essenciais para a contratação. Nesta modalidade de oferta não são permitidos artifícios que enganem o consumidor ou desrespeitem os valores sociais. Portanto, a publicidade é de iniciativa única e exclusiva do fornecedor e quando este apresenta ao mercado os elementos para atrair o consumidor no sentido de adquirir o produto ou serviço, tem obrigação de manter as provas destinadas a demonstrar que o anúncio que veiculou não é enganoso ou abusivo. O fornecedor age como espécie de depositário informal desses dados que, rotineiramente, não são de exposição para que os consumidores tenham acesso a fim de verificação. Justifica-se assim, essa inversão da regra tradicional do processo civil (de que quem alega tem o dever de provar), pois seria completamente inadequado pretender que o consumidor tivesse o ônus de demonstrar a incorreção da publicidade veiculada, sendo que o fornecedor é o detentor dos dados que a embasaram.

Prosseguindo neste enfoque técnico, temos o que se pode denominar como sendo inversão tácita da prova. Em matéria de responsabilidade civil, o CDC trouxe a responsabilidade objetiva como uma de suas linhas mestras. Todavia, esse tipo de modalidade, mesmo que o consumidor conte com a facilitação para a defesa de seus direitos, não dispensa que exista nos autos, a demonstração dos elementos basilares para que possa acontecer qualquer reparação. São eles: a ocorrência de ato danoso praticado pelo fornecedor, o dano efetivo e a existência de nexo causal (o liame a demonstrar que o dano foi provocado pelo ato danoso). O detalhe está em que o CDC, ao tratar das eximentes de responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço (acidente de consumo), prescreveu expressamente em seu artigo 12, parágrafo 3.º, incisos. I, II e III, que o fornecedor não será responsabilizado quando provar: a) que não colocou o produto no mercado; b) que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; c) a existência de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Nesse sentido, igualmente, no que pertine aos serviços, manteve idêntica redação no artigo 14, parágrafo 3.º, incisos I e II, apenas omitindo a hipótese de não-colocação do fornecimento no mercado. Entretanto, a comprovação por parte do fornecedor de que não colocou o serviço no mercado merece ser admitida como eximente. E mais, apesar de não-constarem da seção III (artigos 18 a 20), estas hipóteses que valem para os acidentes de consumo (responsabilidade pelo fato do produto ou serviço) justificam que também sejam utilizadas como eximentes de responsabilização quando se tratar de vício do produto ou serviço (incidente de consumo). Afinal, tanto a demonstração por parte do fornecedor de não ter colocado o produto ou serviço no mercado infere a ilegitimidade passiva deste, quanto inexistindo vício ou defeito no produto ou serviço fornecido, ou sendo causado por ato do consumidor ou de terceiro, rompe-se o nexo causal indispensável para a existência da responsabilização do fornecedor. Deste modo, o fornecedor não está expressamente obrigado a fazer este tipo de prova, mas diante dessa circunstância de inversão tácita da prova, caso os elementos e documentos trazidos pelo consumidor ou surgidos no conjunto probatório formado nos autos não forem esclarecedores nesse sentido, se desejar o benefício dessas excludentes de responsabilização, a ele caberá iniciativa de providenciar que essas provas venham aos autos.

Assim, a conseqüência prática desse contexto aponta para o fato do quanto é indispensável a existência de uma completa profissionalização do fornecedor no exercício de suas atividades. Quando ele veicular publicidade, deverá manter os dados comprobatórios da correção da mesma, sob pena de não conseguir fazer a prova caso seja necessário em ação judicial destinada a sua responsabilização. Do mesmo modo, estando instrumentado (principalmente sob o ponto de vista técnico) para provar que aquele produto ou serviço não foi por ele colocado no mercado, ou que o defeito ou vício inexiste ou, ainda, que a culpa é do consumidor ou terceiro, eliminará qualquer possibilidade de sofrer uma responsabilização.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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