Quando é o Estado que desrespeita o consumidor

Oscar Ivan Prux

Séculos de tradição considerando normal a irresponsabilidade do Estado e de seus agentes (representados pela consagrada expressão “The king can do not wrong” ou “o rei não comete erros”) ainda se mantêm certas más práticas de mercado por parte das empresas que prestam serviços públicos, o que somado ao peculiar e reconhecido autoritarismo delas no tratamento com os clientes, muitas vezes compõe um quadro complicado nessas relações de consumo.

A condição da maioria desses serviços ser essencial para a população, acrescido do fato de que, em geral, seu fornecimento ocorre em regime de monopólio por empresa “oficial” (no máximo um oligopólio, sem haver possibilidade do consumidor recorrer a uma gama de fornecedores alternativos), conduzem a circunstâncias de desequilíbrio contratual em detrimento dos consumidores. Não são raros os casos de empresas fornecedoras que: a) alteram as tarifas como querem, mesmo com anuência da Administração, mas sem que sejam ouvidos os consumidores contratantes dos serviços fornecidos, seja pessoalmente ou através de representação por associações, seja mediante atuação do Ministério Público; b) emitem contas sem discriminação apropriada do que está sendo cobrado; c) não fazem chegar pontualmente ao consumidor, a fatura do serviço prestado, e depois, sem emitir qualquer aviso, mandam cortar o fornecimento alegando inadimplência; d) verificam mal o consumo (considerando que diferenças de até 5% são normais nos medidores, mesmo que para cobrança a maior) e fazem de tudo para aplicar o princípio “solve et repete”, ou seja, pague antes e discuta depois; e) aferem o consumo por estimativa para um acerto de contas posterior (até trimestral), como se o consumidor tivesse obrigação de sempre manter uma poupança específica para esses casos, nunca ficando seguro de seu real débito; f) vinculam contratos diferentes, nos casos do consumidor ter mais de um com o mesmo fornecedor (exemplo: cortam o fornecimento para a casa residencial, porque o consumidor deixou de pagar a conta relativa a algum outro imóvel de sua propriedade ou utilização); g) cobram taxa mínima ou consumo mínimo por simples disponibilização, o que é inaceitável sabendo-se que o consumidor somente tem obrigação de pagar pelo que realmente utiliza do serviços; h) apesar de irregularmente cobrar consumo mínimo, não fazem qualquer desconto nos casos em que houve interrupção ou interrupções do fornecimento; i) acrescentam na mesma conta diversos serviços diferentes daquele que é objeto básico do fornecimento (exemplo: acrescentam na mesma fatura, fornecimento de água, esgoto, taxa de lixo e até impostos municipais como o IPTU), sem permitir que o consumidor possa pagar aquela que deseja, discutindo as demais; j) colocam o serviço público à disposição de interesses privados, seja permitindo que publicidade privada acompanhe a fatura, seja fornecendo os cadastros dos consumidores para que lhes sejam remetidas publicidades, escritas, por telefone ou por spam através de e-mail; k) mudam as formas de fornecimento e cláusulas contratuais sem qualquer consulta ou anuência do consumidor; l) criam serviços que unicamente rendem para os fornecedores, sendo inúteis para o consumidor, como, por exemplo, o de secretária eletrônica disponibilizada pela companhia telefônica apenas para dizer ao consumidor que o telefone chamado por ele está ocupado (coisa que o simples sinal de ocupado é capaz de revelar), de modo que uma chamada que antes era gratuita por não ser atendida, passa a ser cobrada somente por causa de que uma voz gravada lhe deu uma informação que ele já sabia; m) finalmente, dentre outras condutas lesivas, podemos citar a prática de atender mal ao consumidor, colocando-o habitualmente em situação desfavorável e cheia de empecilhos quando busca exercer seus direitos.

Embora a evolução trazida pela Lei 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), ainda se precisa muito para colocar o fornecimento de serviços públicos dentro de padrões aceitáveis e esperados para o atendimento condigno das necessidades da população nessa área de fornecimento de serviços em relações de consumo. Consigne-se que nesta seara responde a empresa prestadora e, subsidiariamente o Estado que detém o controle do serviço. O problema está na fiscalização (que deixe de ser tolerante) quanto a qualidade dos serviços públicos e no rigor da execução da legislação para propiciar a efetiva reparação de danos aos consumidores lesados. Empresas concessionárias, autorizadas, permissionárias ou o próprio Estado quando responsável, jamais podem se valer de seu poder para descumprir suas obrigações contratuais e/ou protelar indefinidamente o tempo para cumprir as indenizações. Vale lembrar que desde a revolução francesa, com sua luta para erradicar o absolutismo, existe um denodado esforço para impor ao Estado e as empresas que atuam em nome dele, que cumpram a lei, algo que direta ou indiretamente tem sido obstaculizado pelas forças políticas dirigentes. Entretanto, a área de consumo não pode seguir os passos da questão dos precatórios, em que o calote do Estado é institucionalizado. Assim, precisamos uma mudança ideológica nessa área.

Que a lei venha dizer expressamente que, por penhora on-line, da receita advinda dos contratos de fornecimentos de serviços configurados como relações de consumo, deve sair a reparação de todos os descumprimentos ocorridos em detrimento de interesses dos consumidores. E que a Justiça seja rigorosa e célere, pois as empresas fornecedoras de serviços públicos e/ou o próprio Estado, não podem estar acima da lei. Para este último, responsável principal por esse contexto, deve valer a máxima que vem desde 1.215 quando ao Rei João Sem Terra foi imposto: “Respeita a Lei que fizeste”. Se assim é para o cidadão comum, assim também deve ser para o Estado.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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