Qual o momento correto para devolução das parcelas pagas pelo consorciado desistente?

O sistema de consórcio se consolidou no mercado brasileiro como uma das formas mais populares de aquisição de bens. Independente dos aspectos formais de registro e autorização do órgão fiscalizador, no caso o Banco Central, o fato é que, tem-se sempre relação de consumo sujeita a Lei 8.078/90. E tal como em qualquer outro tipo de compra e venda envolvendo prazo, é freqüente ter-se adquirentes que acabam atrasando prestações, inadimplindo totalmente o contrato ou desistindo dele sem ainda terem recebido o bem. Nestas circunstâncias, a empresa administradora do consórcio, não pode simplesmente se apropriar das quantias pagas pelo consumidor, sendo incontroversa a obrigação dela devolver estes valores, naturalmente podendo descontar, além da vantagem econômica auferida com eventual fruição do bem, também os prejuízos que o desistente ou inadimplente tenha causado ao grupo (CDC, art. 53, § 2.º).

A questão polêmica que emerge se refere à data em que a empresa administradora do consórcio deve devolver os valores que foram pagos pelo consumidor que não tenha recebido o bem. Juridicamente, se é ou não abusiva, a cláusula contratual inserida nos contratos de consórcio prevendo que a devolução acontecerá somente após o encerramento do grupo, algo que representa vantagem para a administradora, mas se contrapõe ao interesse do consumidor em receber de imediato o valor das parcelas que tenha adimplido. Instados a decidir, os Tribunais pátrios vem se inclinando pelo seguinte posicionamento:

?CONSÓRCIO. CONSORCIADO EXCLUÍDO. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS. ENCERRAMENTO DO PLANO.

O CONSORCIADO EXCLUÍDO OU DESISTENTE TEM DIREITO DE RECEBER AS PRESTAÇÕES PAGAS, DEVIDAMENTE CORRIGIDAS, MAS NÃO IMEDIATAMENTE, E SIM ATÉ 30 DIAS DEPOIS DO ENCERRAMENTO DO PLANO, COMO TAL CONSIDERADA A DATA PREVISTA NO CONTRATO PARA A ENTREGA DO ÚLTIMO BEM. RECURSO PROVIDO. POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E DAR-LHE PROVIMENTO (REsp 61470/SP; RECURSO ESPECIAL -1995/0009247-6 – Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR -T4 – QUARTA TURMA – DJ 25.09.1995 p. 31112).?

Ao teor da jurisprudência que vem se tornando dominante, portanto, a referida cláusula contratual não é considerada abusiva, fator de benefício para essas administradoras.

Com o devido respeito, esta é uma posição formalista que merece ser modificada, pois ignora a realidade de mercado e contraria princípios elementares de ordem econômica, bem como, a devida proteção aos interesses legítimos dos consumidores envolvidos nestes contratos. Os fundamentos que norteiam este tipo de decisão partem da posição ingênua que considera ser o grupo de consórcio composto por pessoas que se unem para cada uma adquirir determinado bem, as quais contratariam a empresa administradora para operacionalizar o processo de recebimento das parcelas, aplicar estes fundos na aquisição dos bens e em aplicações financeiras, entregar os bens e cobrar os inadimplentes, recebendo por isso uma taxa de administração. Todavia, esta é uma concepção falaciosa. Observe-se que se trata de um contrato de adesão estabelecido pela administradora, sendo que, de regra, não são os consumidores que se unem (normalmente eles nem se conhecem), principalmente quando o consórcio tem sede em outra cidade, os lances são remetidos e as assembléias são transmitidas por via televisiva. Ou seja, não existe a união de consumidores em um grupo, mas sim uma administradora do consórcio que atua como organizadora da cadeia de fornecimento e os reúne (não os une!) em um grupo sem qualquer outro vínculo que não seja o formal, encenado no contrato de adesão. O argumento da necessidade de ser mantida a sustentabilidade financeira do grupo também não prospera, pois ela advém da boa administração e da solvência dos participantes, sendo que, quanto a isto, não é o consumidor que escolhe seus parceiros para formar o grupo, mas sim a administradora que verifica (ou não verifica!) a idoneidade dos participantes antes de aceitá-los e posteriormente os cobra, razão pela qual deve assumir o risco desta atividade. Por conta disto, estes riscos não podem ser transferidos para o consumidor que adere ao contrato, sendo cláusula abusiva qualquer fixação de óbice à devolução imediata das parcelas pagas até o momento em que o consumidor desiste ou é excluído do grupo. Acrescente-se, a esta conjuntura que o Banco Central jamais fiscalizou convenientemente o setor e nunca se responsabilizou ou foi responsabilizado nos milhares de casos de consórcios que não entregaram os bens. Assim, ao dar a possibilidade da administradora só devolver o dinheiro recebido após o término do contrato, as referidas decisões judiciais permitem a pratica de capitalismo sem risco, algo inconcebível sob o ponto de vista econômico e empresarial. Aspectos puramente formais, estampados nos ideais que criaram o sistema de consórcio, mas que não correspondem com a realidade de mercado, não devem embasar estas decisões judiciais. As empresas administradoras são agressivas na formação de grupos e neste contexto ao atuarem como organizadoras da cadeia de fornecimento, acabam contando com uma blindagem contra qualquer risco ou responsabilização por sua atividade. E isto mesmo quando o consórcio é apenas um meio do grupo econômico colocar no mercado os bens que fabrica ou comercializa.

O melhor direito, portanto, pugna para que estas decisões judiciais atentem mais para a realidade econômica do mercado, abandonem a consideração meramente formal e reconheçam a abusividade da referida cláusula, impondo a imediata devolução das parcelas pagas pelo consumidor desistente ou excluído do contrato de consórcio, forma equânime de aplicar-se justiça contratual em prol dos direitos legítimos destes consumidores.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.