Qual a concepção jurídica de serviço público adequado?

Oscar Ivan Prux

O Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), ao tratar dos serviços públicos, sejam os exercidos diretamente ou através da iniciativa privada (por concessão, permissão ou qualquer outra modalidade de contrato) diz expressamente que eles devem ser eficientes e eficazes (art. 6.º, inc. X e art. 22, caput). A utilização dessas expressões de significado idêntico, pode parecer suficiente para assegurar que os serviços tenham qualidade. Entretanto, na realidade cotidiana, eficiência e eficácia, são relacionadas comumente muito mais com a prática do serviço em si, como por exemplo: a energia chegar para o consumo, a água estar ao alcance de quem deseja adquiri-la, etc. A questão reside no fato de que a relação de consumo para fornecimento desse tipo de serviço não se resume apenas a esses pontos. Ela é muito mais complexa, em razão de envolver vários aspectos concernentes ao relacionamento entre fornecedor e consumidor do serviço, tais como a informação, a publicidade, o atendimento ao consumidor, a cobrança, etc. Devido a essas circunstâncias, o legislador inseriu nas já citadas normas que o serviço deve ser adequado. Adequação, é palavra que sempre se relaciona a algo, tendo no caso desses serviços, um significado composto não apenas de atributos como desempenho e durabilidade, mas, especificamente, a capacidade de servir ao que o consumidor justificadamente busca, que é satisfação de sua necessidade através do cumprimento da legitima expectativa que o impeliu ao consumo.

Luiz Alberto Blanchet, entende que: “A palavra adequação não tem sentido autônomo e pressupõe sempre uma relação entre duas coisas, pois nada é simples e isoladamente adequado. A adequação só existe entre duas ou mais realidades. A expressão serviço adequado exige, portanto, um complemento que a Constituição Federal não fornece (embora esteja subentendido), mas o art. em pauta identifica: o serviço deve ser adequado ao pleno atendimento dos usuários. Necessário acentuar que este pleno atendimento tem seus limites, não se subordinando aos caprichos e exigências de natureza meramente subjetiva aos usuários. O serviço deve ser prestado de forma adequada ao pleno atendimento das necessidades ou comodidades exigíveis, sem dúvida, individualmente pelos usuários, mas fundados em razões objetivas e não simplesmente pessoais e peculiares a cada usuário. Assim, por exemplo, a eficiência a que o concessionário se obriga não é aquela desejada subjetiva e individualmente por parte de cada usuário em função de suas peculiaridades pessoais, mas somente aquela que cada um pode exigir para si e para os demais em função de peculiaridades comuns a todos como usuários do serviço. A adequação a que a lei obriga é, enfim, impessoal. Desta forma, por exemplo, um determinado usuário de serviço público de transporte não se considera plenamente atendido se a parada mais próxima se encontra a um quilômetro de sua casa, mas esse fator não indica que o serviço em pauta não seja adequado, embora para esse usuário específico não pareça eficiente. E eficiência é um dos requisitos exigidos pelo § 1.º” (in Concessão de serviços públicos, ed. Juruá).

Evidencia-se, portanto, que a adequação complementa e é complementada pela eficiência/eficácia. E que, “serviço adequado” é aquele que, considerando todo o processo de fornecimento, tanto quanto possível (já que sempre se trata de contrato individual de fornecimento e não de contrato coletivo), amolda-se ao perfil do consumidor ou, se isso for inviável, ao perfil da maioria dos consumidores que o adquirem ou utilizam. Há que se compreender que, principalmente em se tratando de serviços fornecidos em grande escala, via contratos de adesão, os prestadores nem sempre podem realizar todas as vontades de cada um dos consumidores, mas na qualidade de fornecedores, estes não podem se furtar a atender aquelas dotadas de razoabilidade e que sejam viáveis tecnicamente. Observe-se, por exemplo, a questão do fornecimento de água. A potabilidade e os tipos e quantidades das substâncias que ela contém, são um aspecto geral a ser observado para todos, e não pode ser exigida modificação para atender o gosto do consumidor individualmente. Essa circunstância, entretanto, não desobriga a empresa prestadora do serviço, do dever de fornecê-la com pressão compatível (nem fraca, nem forte demais), atendida a necessidade de cada um dos consumidores em particular. E isso, indiferente a razões relacionadas a distância ou relevo do terreno, posto que instalada a rede, o fornecimento é individualizado e obrigatório para quem pagar. Independente disso, estabelecer para livre escolha do consumidor, várias datas de pagamento ao longo do mês, representa outra forma de cumprir o requisito da adequação.

Assim, temos que nas relação de consumo, o conceito de adequação infere o que há de mais substancial na qualidade do serviço público. Aliás, melhor seria se esses serviços fossem denominados como de “interesse geral ou coletivo”, não importando se fornecidos pelas empresas do Estado ou iniciativa privada.

Talvez por esses motivos, a Lei n.º 8.987/95, art. 6.º, § 1.º, preceitua que: “Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade nas tarifas”.

É possível aferir, então, que segundo o prescrito na legislação, nos fornecimentos de serviços público caracterizados como relações de consumo, “adequação” contém espécie de referência a qualidade ampla, no sentido prático de salvaguardar o respeito pleno aos direitos do consumidor.

O que se espera é que, evoluindo nossa sociedade, o Estado (direta ou indiretamente, pois sempre detém o controle) cumpra as normas legais.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.