Proteção coletiva dos consumidores

Oscar Ivan Prux

Está faltando uma mudança de paradigmas e mesmo de postura quanto a questões envolvendo o Direito do Consumidor. Muitas vezes, quem decide conflitos e lides (na esfera judicial e administrativa) ignora a necessidade de integração. Em verdade, há esquecimento de que a efetivação desse direito principia pela consideração dele ser de ordem pública e interesse social. Qualquer direito individual de consumidor que seja desrespeitado, por evidente, não se exaure em si mesmo (com a solução do procedimento ou da causa individual), mas possui uma dimensão coletiva a ser observada. A guisa de exemplo citemos o problema do cigarro. Nas ações envolvendo pedidos de indenização para fumantes, os juízes costumam centrar seu exame quanto a considerar se o autor sofreu ou não danos por fumar ou, mais precisamente, se existe nexo causal entre o dano e a ação da indústria. Entretanto, apesar de não haver dúvida de que fumo faz mal à saúde, nenhuma providência é tomada de ofício para o cumprimento do artigo 8º, do Código de Proteção do Consumidor (Lei nº 8.078/90) que determina aos fornecedores não colocarem no mercado, produtos ou serviços que acarretem risco à saúde ou segurança dos consumidores. Ou seja, os julgadores se envolvem apenas com a solução do caso particular e não se preocupam com o ilícito praticado na dimensão coletiva, algo que deveriam fazer de ofício. Caso idêntico, temos com relação às bebidas. Temperaturas mais elevadas incentivam o consumo delas, principalmente nas épocas de festas, férias ou feriados prolongados. Dentre elas, a cerveja e o chopp são as preferidas de muitos brasileiros, sendo que para alguns faz parte arraigada da cultura nacional. Inclusive, é brasileira a maior empresa mundial de fabricação desses produtos, a demonstrar a dimensão desse mercado e a força que ele tem nacionalmente. Certo é que abstraído o lado econômico-financeiro desse negócio, a cerveja e as cervejarias estão sempre em meio a polêmicas, sendo que muitas delas poderiam ser resolvidas de plano se, de ofício, fossem tomadas providências contemplando os aspectos que envolvem a dimensão coletiva desse mercado de consumo. Observemos a questão da publicidade dessas bebidas que, em certos casos, apresenta conteúdo imoral (principalmente para o horário de sua veiculação), o incentivo ao consumo para pessoas cada vez mais jovens, bem como, a obstinada luta para que a cerveja não seja considerada bebida alcoólica com teor que recomenda regras mais rígidas quanto a divulgação, comercialização e consumo. Tudo além do esforço dessas empresas em, silenciosamente, lutarem contra a Lei nº 11.705/2008 (“lei seca”), de tantos benefícios para a segurança e preservação de vidas em um trânsito tão violento e caótico como o do Brasil. Note-se que muitas delas, por serem doadoras em campanhas políticas e grandes anunciantes publicitários, acabam por exercer intensa influência na mídia e entre pessoas poderosas, sendo difícil que tenham seus interesses contrariados. Essa mais uma razão para a Justiça, em específico, buscar superar o objetivo de mera solução do caso individual, incluindo nesse contexto, medidas que se destinem a proteção do universo de consumidores atingidos direta ou indiretamente pelo tipo de fornecimento. Novamente utilizaremos um exemplo para demonstrar essa argumentação. Em processo que tramitou na 15ª Vara Cível de Porto Alegre e depois, mediante recurso, chegou a 6ª Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, foi declarada a improcedência de ação na qual pessoa portadora de cirrose hepática, reclamava uma indenização sob o argumento de ter agravado sua saúde devido ao consumo da cerveja cujo rótulo dizia ser sem álcool. Na análise do mérito, o Desembargador relator afirmou que em se tratando de bebida com 0,5% de etanol, o autor teria de ter consumido aproximadamente 15 litros por dia para que lhe fossem causados os danos que alegava e para os quais reclamava indenização, daí a improcedência da ação.

Sem questionar a justiça da decisão quanto ao aspecto individual das partes envolvidas, o ponto crucial ora enfocado, é que nessa e em muitas outras decisões de mesmo tipo, nada foi determinado quanto à proteção dos consumidores em sua dimensão coletiva. Além das empresas omitirem de informar nos rótulos a existência de teor alcoólico (mesmo que baixo) na bebida, elas ainda têm conseguido se manter a salvo de responder pela publicidade enganosa. Ou seja, conquistam fatia expressiva de mercado através de marketing que não condiz com a verdade; e nada acontece. Sendo o CDC de ordem pública, devia a empresa ser compelida a não utilizar esse tipo de informação e publicidade flagrantemente enganosa e a ter de indenizar por infração a interesses coletivos (de consumidores). E isso por decisão pró ativa do Julgador (sem necessidade de requerimento específico do autor da ação), na forma como a legislação estabelece. Igualmente, que quando for constatada infração passível de sanção administrativa, sejam acionadas as autoridades competentes, tudo para que a empresa responda também nessa esfera e seja dissuadida a continuar lesando outros consumidores que não procuram a Justiça.

A conclusão a que se chega, portanto, é que a proteção dos consumidores somente se implementará de forma mais efetiva, quando os Magistrados adotarem a postura corajosa de, ex-officio, determinar medidas protetivas sempre que verificarem no processo envolvendo questão individual, a sinalização de existência de lesão a uma coletividade de consumidores.

Ao lado de um consumidor que reclama, existem milhares de outros que silenciosamente também sofrem o dano.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.