As comissões de proteção ao consumidor das Assembléias Legislativas estaduais têm poder de polícia para fiscalizar e autuar empresas?
Oscar Ivan Prux
Em Direito do Consumidor, quando se fala em sistema emergem duas concepções diferentes que é necessário distinguir para evitar confusões. Sob o ponto de vista legislativo, há o sistema de proteção dos interesses dos consumidores, composto pelo conjunto de normas estatuídas para essa finalidade, tal como a Lei n.º 8.078/90 e as demais em que existem dispositivos que atuam com esse mesmo desiderato (exemplos: Lei nº 8.137/90, Lei n.º 8.884/94, Lei n.º 9.656/98, legislação de vigilância sanitária, etc.). Já em outro sentido, há que se entender a existência do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor mencionado explicitamente no art. 3.º do Decreto n.º 2.181/97 e nos artigos 105 e 106 do CDC, editados exatamente para dispor dessa organização que visa, na prática, viabilizar os direitos estabelecidos na legislação. Esse último é integrado por órgãos federais, estaduais, municipais (e do Distrito Federal) e as entidades privadas de defesa do consumidor, sendo seu coordenador de políticas (de proteção ao consumidor), o Departamento Nacional de Defesa do Consumidor (da Secretaria Nacional de Direito Econômico Ministério da Justiça).
Feita essa distinção entre normas e quem deve contribuir para implementar a aplicação delas, vamos focar em uma questão que está se tornando rotineira. Assembléias Legislativas estaduais têm criado comissões de proteção ao consumidor e notificado empresas a respeito da qualidade de determinados produtos ou serviços colocados no mercado. Nesse contexto, então, emerge a pergunta: quais são, efetivamente, os órgãos e entidades que compõem o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e nessa condição podem fiscalizar e ter poder de polícia? Doutrinadores de renome (dentre outros o Ministro Antônio Hermen V. Benjamin, Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem) respondem a essa questão afirmando que são naturalmente integrantes do SNDC, todos os órgãos que se vincularem de modo direto ou indireto à defesa do consumidor. Observe-se, entretanto, que não se trata de uma simples questão de se autodenominar como integrante do SNDC. Esse exame principia por entender-se que órgão público é unidade com atribuição específica dentro da organização do , sendo composto por que o dirigem e compõem nas ações voltadas para o cumprimento de uma atividade estatal.
O órgão público não tem personalidade jurídica e nem vontade própria, limitando-se a cumprir suas finalidadades dentro da competência funcional que lhe tenha sido determinada pela organização estatal. Ou seja, atua em nome da estrutura maior a que pertence, essa sim com personalidade jurídica. Com base nesse contexto, não se discute haver atribuição estatal de proteger os interesses dos consumidores, mas fica mais difícil estender para uma comissão de assembléia legislativa, poderes de polícia que estão previstos para os integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Kazuo Watanabe sempre preconizou que ao CDC, deve-se dar a maior amplitude possível de aplicação e é evidente que as assembléias legislativas têm um papel importante em estabelecer a legislação estadual de proteção ao consumidor, bem como fiscalizar ações dos entes estatais nesse sentido. Todavia, certo é que lhes falta especialização mais acurada para, em específico, fiscalizar produtos ou serviços, notificar empresas e, complementarmente, exercer algum poder de polícia para puní-las por eventuais infrações. Aliás, essas comissões nem contam com estrutura adequada para esse tipo de atividade, o que pode laborar em detrimento dos interesses dos consumidores que elas alegam representar quando notificam empresas. Outro detalhe: é importante refletir até que ponto é benéfico para os interesses dos consumidores, imiscuir a Política Nacional das Relações de Consumo (prevista no artigo 4.º, do CDC), com a natural atividade político-partidária e eleitoral que permeia o ambiente de uma assembléia legislativa e suas comissões. Sob o ponto de vista formal, a conclusão é que tem-se relevante controvérsia quanto a essas comissões serem ou não, órgãos públicos para integrarem o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, com todas as suas competências.
E como questão de mérito, no sentido da melhor proteção aos direitos dos consumidores, saber-se na prática, até que ponto elas realmente contribuem para a defesa desses interesses tão relevantes, não sendo atrapalhadas pelas tendências político-partidárias, eleitorais e de promoção pessoal dos integrantes das comissões. Se o objetivo é proteger os interesses dos consumidores, revela-se fundamental perceber que a verdadeira prioridade deve, sem dispersão, centrar-se nas formas legais e que sejam faticamente viáveis para, realmente, efetivar a Política Nacional das Relações de Consumo.
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em teoria econômica, mestre e doutor em direito. Coordenador do curso de direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.