Um número imenso de consumidores precisa refletir, fazer um ?mea culpa? e mudar alguns de seus hábitos de consumo. Um deles é abandonar a escolha, aparentemente inocente, de adquirir produtos chamados de ?piratas?, ou seja, fabricados e/ou comercializados por empresas ou pessoas físicas não detentoras dos direitos de utilização dos inventos patenteados ou marcas registradas. Pode o consumidor não saber da origem irregular do produto, mas quando souber, não deve efetivar a compra.
Nesta análise, cabe assinalar que existe uma real distinção entre produto falsificado e produto de qualidade insuficiente, mas é comum observar-se que os produtos sem autorização não são submetidos a eficiente controle de qualidade e por isso apresentam padrão inferior, suficiente para ocasionar riscos ou danos à saúde, segurança ou interesses econômicos dos consumidores.
A China, por exemplo, como economia emergente que é, grande produtora e exportadora, tem sido extremamente tolerante com a fabricação e venda de produtos ditos ?piratas?. Assim, como afirmou Meglena Kuneva (Comissária Européia para a Segurança do Consumidor), não é mera coincidência o fato de que 48% dos produtos perigosos que ingressam na Europa e no mercado americano (em especial, brinquedos, produtos elétricos e produtos para a indústria automobilística), têm origem chinesa.
E se neste mercado é desta forma, imaginem como isto acontece nos países em desenvolvimento como o Brasil, onde os controles nem sempre são tão rigorosos e eficientes. Os Estados Unidos e a União Européia impõem barreiras não-tarifárias para a importação de muitos destes produtos provindos da China, chegando ao detalhamento de apontar para aquele país, quais são os produtos perigosos, inclusive indicando sua origem para ajudar na possibilidade de serem tomadas providências (mesmo que sem muito sucesso).
Em nossa realidade, de forma diferente, além da deficiente fiscalização interna sobre a fabricação de produtossem autorização, no que tange a mercadorias estrangeiras, aproveitando da fragilidade na vigilância de nossas fronteiras, o Paraguai que costuma servir de porta de entrada para estes bens, tem sido muito reticente em adotar medidas fiscalizatórias. Por conta disto, associa-se, em grande parte, os produtos ?piratas? com bens de qualidade duvidosa, capazes de oferecer perigo à saúde ou segurança do consumidor.
Independente desta circunstância, por evidente, podem existir aqueles que mesmo tendo sido fabricados e comercializados sem autorização por parte do detentor da patente ou da marca, mesmo assim apresentem qualidade até indiscutível, mas neste caso, a lesão ao consumidor vem pela via indireta, através da infração à boa e saudável concorrência no mercado.
Naturalmente, quando acontece a produção e comercialização de produtos por quem não detém os respectivos direitos, tem-se infração a concorrência, afetando gravosamente empresas que gastaram tempo e dinheiro se dedicando à pesquisa, criação e divulgação de seus produtos e marcas, as quais perdem grande parte de esforço que é apropriado e aproveitado por quem nada investiu neste sentido. Desta forma, além do prejuízo e desincentivo para investimentos, a prática de concorrência desleal tende a desestruturar o equilíbrio proporcionado por um maior número de empresas competindo lealmente no mercado.
No longo prazo e mesmo que indiretamente, esta circunstância por si só, irá prejudicar os consumidores pela diminuição no número de empresas concorrentes e menores investimentos dedicados a desenvolvimento de produtos para destinatário final (consumidor), tudo gerando preços mais elevados.
Um outro prisma, porém, deve ser observado: trata-se das conseqüências sociais deste tipo de consumo. O ato de consumo não deve servir de fonte de incentivo para ações ilícitas e prejudiciais à sociedade. Cálculos do Sindicato Nacional dos Analistas-Tributários da Receita Federal indicam que por conta desta atividade ilegal, o país deixa de arrecadar R$ 30 bilhões por ano e de gerar dois milhões de empregos. Como Ricardo Morishita, diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), informou ao jornal eletrônico Netconsumo, mesmo que de forma inconsciente, a aquisição de produtos ?piratas? incentiva a violência e a criminalidade ligada à lavagem de dinheiro, narcotráfico e tráfico de armas e munições. Em suas palavras: ?A irresponsabilidade no consumo alimenta a cadeia criminosa e a ilegalidade. O próprio consumidor acaba sustentando a atividade do infrator?.
Por estes fatores, em prol dos interesses de fornecedores e consumidores, a Lei n.o 8.078/90 (CDC), em seu art. 4.o, inc. VI, prevê a: ?coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores?.
A conclusão a que se chega, portanto, é que o consumidor tem direito de reclamar dos altos preços dos produtos legítimos, mas a solução não é inclinar-se pela prática mais fácil e aparentemente mais atrativa de comprar mercadorias ?piratas? vendidas em mercado à margem da lei. O correto é que o consumidor reconheça os problemas relacionados ao mercado de consumo destes bens e no pleno exercício consciente de seus direitos, opte por procurar outros produtos legítimos com qualidade, mas de preços mais acessíveis (mesmo que não ostentando marca de ?grife?) ou mesmo refreie seus instintos e desejos de comprar (muitas vezes só para mostrar status), fórmulas estas que fazem os preços baixarem por ausência de demanda. Esta é a melhor prática pró-ativa para o verdadeiro exercício da cidadania.
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.