?Produto? na concepção do Código de Proteção e Defesa do Consumidor

Em Direito do Consumidor, consumo é concebido como satisfação da necessidade do destinatário final (consumidor). Este posicionamento difere do contido no artigo 86, do Código Civil de 2002, que prevê serem consumíveis ?os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação?. Isto se deve ao fato de que o Código Civil estabelecido para o Direito Privado aborda e prescreve o consumo de forma diferente do Código de Proteção e Defesa do Consumidor cuja especificidade (especialidade), o habilita juridicamente para reger as peculiaridades deste tipo de relação. Observe-se que na realidade cotidiana do mercado de consumo, quem busca consumir o faz porque tem uma legítima expectativa de que o produto ou serviço objeto do fornecimento irá satisfazer aquela necessidade que está a lhe afetar, independente de qual seja a origem dela (decorrente de imposição legal, biológica ou psicológica, seja hedonista ou compulsiva). E é através da transferência desse bem do fornecedor para o consumidor, neste caso específico, do fornecimento de um produto, que acontece este desiderato de prover o mercado e instar a solução da carência existente para o consumidor.

Tradicionalmente, a ciência econômica sempre ensinou que ?bem? é tudo aquilo que é economicamente valorável. Desprendendo-se em parte deste posicionamento, de forma mais ampla, o Direito estabelece que o bem, este objeto de direito, é passível de valoração que pode ir além do econômico e também ser de ordem moral. No caso dos produtos, o Direito do Consumidor em específico, mirou mais na transferência do bem com consecução da satisfação da necessidade do consumidor este o resultado fundamental – do que na mera troca de mãos daquilo que passa de uma parte para a outra na relação jurídica.

Neste contexto, embora possa parecer elementar, o legislador entendeu importante fixar no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), o conceito de produto, adotado sob a seguinte fórmula inserida no artigo 3.º, § 1.º: ?Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial?.

A relevância de saber-se o que é produto (ou serviço) pode ser percebida pelas palavras de Roberto Senise Lisboa quando afirma: ?Para fins do Código de Defesa do Consumidor, pouco importa, em princípio, a espécie de operação adotada (objeto imediato). Porém é imprescindível que a relação jurídica conte com elemento objetivo que se enquadre, como bem da vida (objeto mediato) na noção de produto ou na de serviço?.

Mesmo sabendo que a idéia do que seja ?produto? faz parte do senso comum que integra o conhecimento da quase totalidade das pessoas adultas (mesmo as de parca cultura), esta técnica de positivar e juridicamente tentar delimitar o conteúdo do conceito, foi inserida no CDC com a finalidade de não deixar dúvidas quanto às características e real amplitude deste elemento objetivo da relação jurídica de consumo.

Conforme o texto legal, o conceito sob exame (?produto?) foi estabelecido explicitamente com um intuito generalizador, ao prescrever que pode se referir a qualquer espécie de bem, desde que inserido no fornecimento através de relação de consumo. Também houve a positivação de que produto pode ser móvel ou imóvel, forma clara de afastar qualquer tentativa de interpretação tendente a acreditar que o CDC não se aplicaria aos fornecimentos que envolvessem imóveis, mesmo quando eles acontecessem por profissionais fornecedores (exemplo: fornecimento, em relação de consumo, de residências, terrenos, apartamentos, etc.). Naturalmente, o CDC afastou, por impropriedade, a concepção civilista de que os imóveis não se consumiriam (no sentido de haver a destruição rápida de sua substância), fórmula que poderia gerar questionamentos quanto à aplicabilidade do Código, e o fez por ela ser inadequada para relações de consumo (ligadas umbilicalmente à satisfação das necessidades e não a destruição do bem). Em complemento, ao estabelecer que nas relações de consumo, ?produto? pode ser material ou imaterial, não remanesceu dúvida de que o CDC inovou soberbamente. Certo é que a maioria dos produtos tem materialidade – é corpóreo -, permitindo ter entre suas mais importantes características, a possibilidade de poder ser visto, tocado, examinado, experimentado (tangíveis). Todavia, adequando-se a modernidade e complexidade do mercado, o CDC não descurou de positivar também o regramento do consumo de produtos imateriais, a exemplo dos ligados à informática, como um programa de computador. Esta perspectiva foi fundamental e mostrou o quanto o CDC resultou avançado para sua época, ao trazer estampados os elementos substanciais para possibilitar através das características apresentadas, a identificação da existência de uma relação de consumo, dissociando-a das demais relações jurídicas. Assim, mesmo o bem imaterial pode ser considerado ?produto? para fins de integrar a relação de consumo como um de seus elementos basilares, ainda mais, porque sem a transferência de um bem mediante remuneração direta ou indireta, ela não pode existir.

Por derradeiro, ressalte-se que nos dias atuais, é cada vez mais comum, observar-se que os fornecimentos já não apresentam tanto a característica de serem, ou só de produto(s), ou só de serviço(s). É freqüente nas contratações para fornecimento de produtos, ver-se os fornecedores ofertando também a inclusão da prestação de algum serviço, como, por exemplo, a instalação do bem (produto) que ele está vendendo. Esta conjuntura não apresenta problema relevante, visto que segundo o CDC, o regime jurídico dos deveres contratuais e da responsabilidade civil é o mesmo, independente da relação de consumo incluir fornecimento de produto, de serviço ou de ambos conjuntamente.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Diretor do Brasilcon para o Paraná.