Prevenção fase pré-contratual – direito do consumidor

Oscar Ivan Prux

Um dos grandes méritos do CDC foi chamar à atenção para uma série de ações dos fornecedores que antes eram tidas como alheias ao contrato de consumo e, portanto, desconsideradas no que se refere à proteção dos consumidores. Antes do CDC, o ingresso de serviços ou produtos nocivos (ou indevidamente perigosos) no mercado, assim como outros arranhões à responsabilidade pré-contratual, podiam ser tacitamente ignorados quando inexistisse um contrato (comutativo) de consumo. O Código Comercial e o Código Civil (diplomas legais que regiam a matéria), continham um substancial apego ao contrato como requisito imprescindível para qualquer responsabilização, noção que acabou superada ante as modificações sociais. E, por conta disso, os consumidores careciam de proteção para seus interesses legítimos, com todas as suas especificidades.

Com base nessas premissas, tem-se que para a proteção realmente efetiva dos interesses dos consumidores, deve-se flagrar a atuação dos agentes econômicos em todo o desenvolvimento de suas atividades, ou seja, na relação de consumo propriamente dita (sentido restrito) e mesmo antes de chegar-se a ela. Desde o começo do processo de fabricação, os preceitos adequados para bem regrar essa área devem sempre atuar. Más condutas ou práticas não podem subsistir nas fases iniciais desse processo, independente de ainda não estarem dispostos todos os elementos que caracterizam a relação de consumo em que estão identificados fornecedor, consumidor e um fornecimento específico. A prevenção é fundamental em direito do consumo. E nesse sentido, o bom equacionamento das fases iniciais do processo (de produção) costumam condicionar a qualidade, tanto dos insumos, quanto dos fornecimentos a destinatário final. É capital não aguardar que o processo inicie deturpado. O importante é manter sob vigilância e regramento detalhado, também essas relações que precedem aquilo que denominamos de fase de consumo. Como já dissemos, não é preciso haver um contrato com a presença de um consumidor para que existam deveres para o fornecedor. Muito antes do contrato ser celebrado as obrigações do fornecedor já começaram pelo simples fato dele se predispor em fornecer para o mercado. Há deveres que são pré-constituídos, espécie de implied warranty, ou garantia implícita de qualidade, que deve começar antes do produto ou serviço chegar ao mercado, mesmo que o consumidor somente a posteriori venha a se valer dela. Essa circunstância justifica a cautela desde a nascente do processo, incluindo-se a imposição do cumprimento de normas de vigilância sanitária, precauções para a prática de certos serviços, deveres quanto à escolha dos componentes e métodos para a fabricação de produtos, etc. Note-se que é muito mais sábio buscar prevenir o risco do que preocupar-se unicamente com a reparação do dano. Por isso, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90) ao tratar da proteção à saúde e segurança do consumidor, prescreve expressamente:
“Art. 8.º – Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.

Parágrafo único. Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto.

Art. 9.º – O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto”.

Assim, é uma característica do CDC essa imposição de uma regra geral no sentido de que os produtos ou serviços não causem riscos anormais à saúde ou segurança dos consumidores (sem se referir a danos, os quais, naturalmente, também devem ser indenizados). Reconhecendo que todo e qualquer produto ou serviço é perigoso em algum grau, essa visão pressupõe que não devam ser colocados no mercado, produtos ou serviços cujos benefícios não compensem os riscos que apresentem, bem como, quando eles (riscos) não possam ser conhecidos antecipadamente para que o consumidor tenha a oportunidade de se prevenir quanto a eles. É o caso, por exemplo, do cigarro cujas conseqüências são desmesuradamente arriscadas e não compensam quaisquer supostas vantagens, assim como, não permitem a pessoa se proteger para evitar danos inexoráveis de menor ou maior gravidade (perda da condição física ou possibilidade de um câncer letal). Trata-se, então, de proteção pré-contratual a amparar a confiança do consumidor quanto a garantia da qualidade do produto ou serviço que será por ele adquirido ou utilizado. O destaque nos dispositivos recém-citados fica por conta do dever de informação, afeto primordialmente ao fabricante quando se tratar de produto industrial. Todavia, não há como prescindir da participação do comerciante em fazer chegar ao consumidor essas informações. O chamado defeito de informação é tão grave quanto a própria ausência de informação.

Esse abandono da noção estrita de contrato como pré-requisito indispensável para imposição de deveres pertinentes ao fornecedor, é uma das maiores virtudes do CDC. E mais, insere a visão de relação de consumo em sentido amplo, a abarcar desde as fases iniciais da fabricação até os momentos pós-contratuais. Essa fórmula permite que estando envolvido interesse de consumidor, aconteça a utilização do CDC para aplicação de um regime de responsabilidade civil muito mais consetâneo com a realidade do Século XXI.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.