Práticas abusivas no mercado de veículos e a proteção dos consumidores

Oscar Ivan Prux

Infelizmente, em sua maior parte os paises desenvolvidos e os emergentes ainda baseiam sua economia no consumo de veículos. Certo é que as montadoras geram muitos empregos, mas a civilização do automóvel e camionetes (quando deveria ser dos transportes coletivos e da locomoção por meios alternativos como a bicicleta) é ecologicamente incorreta. Independente disso, o fato é que enquanto não se muda essa realidade, tem-se que conviver e enfrentar os problemas existentes nesse mercado. E, eles são vários, em relação a proteção dos interesses dos consumidores; com destaque especial quanto às práticas de mercado relacionadas a compra de veículos novos e ao seguro de veículos com qualquer tempo de uso. Começa pela prática abusiva de intitular o ano da camionete ou automóvel novos (zero quilômetro). Regularmente, a partir do mês de abril, já começam aparecer publicidades de lançamento de veículos do ano seguinte. Uma das questões é que as montadoras chegam ao cúmulo de fazer dois lançamentos no mesmo ano, provocando um prejuízo ao consumidor que adquiriu o primeiro, visto que o mercado desvaloriza o anterior, tão logo começa a ser vendido o seguinte. Paralelamente, desrespeitando o artigo 31, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, não existe esclarecimento correto para os consumidores neste sentido. Ao designar o veículo utilizando o número correspondente ao próximo ano, os fornecedores cometem a prática abusiva de não informar de que se trata do modelo (e não realmente do ano), incentivando acentuada depreciação/desvalorização dos demais veículo novos e semi-novos (o que, implicitamente, as montadoras incentivam). Inclusive, salvo a designação do ano, é comum o veículo novo não apresentar diferenças em relação ao anterior e por isso não se justifica que técnicas de marketing levem ao engodo de que um veículo recém retirado da agência já possa ser velho, simplesmente por conta de que a montadora acabou de lançar outro dizendo ser do próximo ano. É um absurdo antes da metade de 2009, ter-se no mercado veiculos intitulados como sendo 2010, forma que gera confusão da qual somente se beneficiam espuriamente os fornecedores.

Por evidente, o objetivo dessa estratégia das empresas fornecedoras é iludir a percepção das pessoas, manipulando seu sentido de racionalidade e suas emoções ligadas ao consumo, fomentando a aquisição do modelo novo, circunstância que acaba desvalorizando o anterior, provocando injustificado prejuízo aos consumidores dos veículos novos recentemente comprados. E como essa prática abusiva é usual por parte das montadoras em geral, inevitavelmente os consumidores de automóveis zero quilômetro estão jugidos a terem de se sujeitar a ela diante da conjuntura que impera no mercado. Portanto, esse tipo de publicidade ilusória (enganosa) que manipula a percepção sobre a característica dos veículos zero quilômetro deve ser proibida, proibindo-se a utilização da designação de ano diferente do que esteja em curso. Com isso se evitaria fazer parecer que, apenas por não ter a designação do ano seguinte, um veículo novo seja considerado usado, desgastado e de menor valor, mesmo quando está saindo ou acabou de sair da agência.

Outra mazela que recomenda providências das autoridades diz respeito à imposição para o consumidor, da utilização da tabela FIPE, como referencial para calcular-se o preço do seguro. Conforme prevê o inciso X, do artigo 39, da Lei n.º 8.078/90 (CDC), é prática abusiva o fornecedor elevar sem justa causa o valor de seus produtos ou serviços, não importando que o faça por meios diretos ou indiretos, e independentedo estratagema que utilizar. Pois bem, a utilização da tabela FIPE como referência para o valor dos veículos, tem servido apenas para aumentar o preço a ser pago pelos consumidores que adquirem seguros. Sem considerar se as seguradoras fazem ou não lobby lícito ou ilícito no sentido de que os valores nela inseridos sejam acima da realidade, o fato é que ninguém no mercado paga pelo veículo, o valor constante na mencionada tabela. Portanto, ela só tem servido para que as seguradoras consigam justificar preços mais elevados em seus seguros. Ocorrem absurdos, tais como a seguradora só aceitar seguro com base na tabela FIPE, de modo que há casos nos quais um veículo zero quilômetro, pela referida tabela, valeria mais do que o estabelecido na nota fiscal de aquisição, ou seja, para efeitos da tabela e cálculo do preço do seguro, o veículo novo valeria mais do que o consumidor paga na concessionária. As empresas podem fixar os valores de seus produtos ou serviços, mas não podem usar de artimanhas para conseguir preços mais altos. A imposição da tabela FIPE, reconhecidamente manipulada por interesses ilegítimos, é prática abusiva que deve ser coibida. Trata-se de setor regulado pela SUSEP (ou mal regulado), no qual a seguradora, caso queira continuar operando nesse mercado, deve ter a obrigação de aceitar contratar o seguro tendo como referencial o valor do bem conforme o consumidor indicar (ou a nota fiscal demonstrar). Ou seja, pela tabela referencial que esse adquirente final escolher e não pelo referencial imposto pelas empresas fornecedoras, pois a tabela FIPE não passa de um ardil para elevar sem justa causa o preço do seguro.

É indispensável aplicar o CDC e civilizar esse mercado extirpando dele essas práticas abusivas, que se constituem em artifícios maliciosos destinados a prejudicar interesses legítimos dos consumidores.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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