Oscar Ivan Prux

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O controle quanto às práticas de mercado é fundamental para a proteção dos direitos dos consumidores. Não se trata de defender qualquer tipo de estatização ou intervenção indevida do Estado na economia, mas de prevenção, regulamentação e fiscalização para que as ações dos agentes econômicos, em especial aqueles que atuem na condição de fornecedores, não venham a prejudicar os adquirentes finais dos produtos e serviços. Normalmente a relação de consumo não surge autônoma e sem procedimentos anteriores, por isso a necessidade de que essas práticas que a precedem, já surjam sem vícios de origem que podem comprometer o resultado final.

Em seu livro “Direito do Marketing: uma abordagem jurídica do marketing empresarial” (Ed. RT), Fernando Guerardini Santos, afirma que “As práticas comerciais, então, podem ser divididas em dois subgrupos: a) práticas comerciais por natureza ou lato sensu, correspondendo ao ato de fornecimento em si. Tem natureza contratual, pois envolve o cerne da relação de consumo e corresponde à aquisição do produto e à contratação do serviço por parte do consumidor; b) práticas comerciais por conexão ou dependência implicando todos os meios que, indiretamente, levam ao escoamento da produção. É o que o Projet de Code de la Consommation francês chamava de méthodo commerciales, e corresponde, propriamente, naquele país, ao marketing, dada sua característica mais restritiva que no Direito brasileiro”.

Centrando especificamente no Direito do Consumidor, o contexto que inclui as práticas comerciais a que refere o citado autor como sendo conexas ou dependentes constitui a relação de consumo em sentido amplo [lato sensu), enquanto o contexto de fornecimento que ele chama de “por natureza ou lato sensu”, nós denominamos relação de consumo em sentido estrito (stricto sensu). E nenhuma delas pode ser esquecida, pois, é frequente que pessoas mesmo quando ainda caracterizadas como consumidoras apenas potenciais, sejam expostas à práticas abusivas que as prejudicam. A própria falta de acesso a relações de consumo bem constituídas já é um dano (exemplo: no caso de cartéis de postos de gasolina para aumentar preços, o consumidor, ou se sujeita ao abuso, ou não consegue contratar, sempre tendo um dano). Por conta desse contexto é que os artigos 29 a 43, da Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) prescrevem a proteção para pessoas expostas às práticas de mercado, considerando-as consumidores equiparados.

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Portanto, deve-se ter em mente que, de forma mediata ou imediata, de regra tudo o que é fabricado vai gerar consequências para o consumo final, sendo que as práticas de mercado, quando desvirtuadas são geradoras de danos, inclusive de ordem coletiva. Assim, mesmo para quem, momentaneamente, não esteja concretamente identificado com a posição de destinatário final (adquirente ou usuário), também é dado dispor das proteções contra práticas abusivas, na mesma condição de um consumidor nato. E isso induz a que até um fornecedor, desde que não assuma essa qualificação e mantenha-se na condição de consumidor potencial, possua essa mesma faculdade. Conforme é nossa convicção, cuidar apenas da relação de consumo no sentido mais estreito (stricto sensu), representa, mal comparando, a mesma coisa que vigiar de perto o atendimento dos funcionários no salão do restaurante, o gosto e a beleza do prato servido, sem se preocupar com as condições de higiene da cozinha e a origem dos alimentos (e condimentos) empregados na alimentação. Os aspectos precedentes à estrita relação de consumo e, portanto, muitas vezes tidos como antecedentes alheios e fora dela, frequentemente revelam-se tão importantes quanto os posteriores, ou seja, aqueles componentes da relação contratual que liga diretamente o consumidor e o fornecedor.

A atividade humana que gera serviços e produtos para o campo empresarial, só existe para o bem-estar social, que nada mais é do que a satisfação das necessidades das pessoas. Então, seja em que momento for, o padrão de conduta do fornecedor enquanto agente econômico de mercado, é importante para estabelecer as condições pelas quais a qualidade do consumo poderá vir a acontecer de forma melhor ou pior. Por isso, a inevitabilidade do controle sobre as ações anteriores à relação de consumo propriamente dita. E, para que se possa operacionalizar essa proteção, deve haver a legitimidade ativa dos consumidores para buscar a coibição de práticas abusivas de mercado, inclusive chegando até a questões relacionadas com a concorrência. Nesse sentido, reportando-se a contexto de direito comparado, Daniele Meledo-Briand (Revista De Direito do Consumidor n.º 35, RT) assinala que “O Direito da concorrência francês confere expressamente aos consumidores a faculdade de agir com vistas fazerem valer seus direitos. O poder de agir está essencialmente fundado sobre um interesse coletivo, e pertence, aos órgãos de representação dos consumidores”.

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Observe-se que a relação de consumo, vai se formando aos poucos, quando vão se juntando os insumos, a atividade produtiva e os esforços do fornecedor. Deste modo, tal como a qualidade dos ingredientes é decisiva na qualidade da refeição, também os procedimentos iniciais são fundamentais para o bom resultado final que é o ato de consumo. Cabe aos órgãos de regulação e fiscalização manter detido controle sobre as práticas de mercado, de modo a identificar as lesivas e impor proibições e cominações que sejam pertinentes. Os fornecedores costumam carregar para dentro do contrato, o mesmo tipo de conduta que praticam no mercado, o que leva a concluir que havendo más práticas, quanto antes elas forem coibidas, melhor será. É no nascedouro que se “corta o mal pela raiz”.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.