Oscar Ivan Prux
Segundo noticiou a imprensa, a aprovação da Lei nº 12.007, de 29 de julho de 2009, agradou as entidades de defesa dos direitos dos consumidores. E isto porque a referida norma veio obrigar as empresas prestadoras de serviços públicos ou privados, a fornecerem um documento de quitação anual aos contratantes que tenham pago a respectiva prestação desses serviços. Como se sabe, os consumidores sempre se viram diante da necessidade de guardar por até cinco anos, centenas ou milhares de recibos dos pagamentos que efetuam pelas prestações de serviços, muitas delas mensais, como as de água, luz, telefones, tv por assinatura, etc. E tal acontece por conta de que são freqüentes os problemas causados por cobranças indevidas envolvendo faturas já devidamente pagas, o que nem sempre é resolvido administrativamente e acaba desembocando em uma ação judicial. Esse tipo de mazela existe devido à desorganização de companhias fornecedoras desses serviços, muitas delas impregnadas de um claro sentido de irresponsabilidade quando fazem essas cobranças indevidas, seja por conta de que as penalizações não acontecem ou são para elas irrelevantes, seja até porque muitos consumidores não conseguem encontrar o recibo para apresentá-lo (ou não se dispõem a perder tempo com isso) e acabam pagando de novo.
Se com um mínimo de racionalidade analisar-se esse contexto, perceber-se-á que uma lei dessas realmente não se justifica e só o típico contexto cultural brasileiro (onde até o óbvio tem de estar escrito na lei), pode explicar sua existência. Na verdade, para quem vive em país desenvolvido, parece até absurdo ou no mínimo estranho, que alguém chegue ao ponto de cobrar o que já foi pago. E isso, mesmo já existindo várias outras normas dispondo sobre a questão (Código Civil, CDC, etc.), sendo até uma propriedade que se tenha de editar uma nova lei com o objetivo de sanar um problema que não tem a menor razão de existir. É por demais óbvio, que a empresa fornecedora de serviços deve manter exato controle das contas de seus clientes e não pode cobrar o que já tenha sido pago, sendo que só muita desorganização, combinada com desqualificação profissional e subdesenvolvimento cultural, podem explicar essa anomalia de ainda haver cobranças de dívidas quitadas.
Pois bem, independente do quanto se reflita (e critique) a respeito, a lei já está aprovada. Todavia, é de se crer que se era para positivar uma disposição desse tipo, ela poderia ser bem mais evoluída. Para tal, bastaria que fossem aproveitados os recursos da tecnologia amplamente difundidos na nossa realidade atual. Através deles, seria simples estabelecer que as empresas devessem disponibilizar de forma permanente em seu site, as informações de quitação das contas do consumidor nos últimos cinco anos (as quais poderiam ser acessadas por ele ou por qualquer autoridade). Um sistema simples e dúvidas não persistiriam, pois seria suficiente um computador com acesso à internet para saber que o consumidor pagou as contas relativas aos fornecimentos dos serviços dessa ou daquela empresa. E mais, é importante notar que esse procedimento equivale a mandar a correspondência, pois tem as mesmas conseqüências práticas, seja para demonstrar a quitação, seja para ensejar a tomada de providências caso a empresa se omita em cumprir esse seu dever. A par disso, ao invés de cada uma enviar para o consumidor um documento que vai se somar à vários outros (pois o consumidor consome vários tipos de serviços), elas poderiam fazer uma comunicação anual para um determinado banco de dados (desses utilizados para cadastro de maus pagadores, a exemplo de Serasa, Seproc, etc.), informando dessas quitações de dívidas. Inclusive, essa iniciativa poderia ser anexada ao cadastro positivo, (pelo qual os fornecedores tanto lutaram pela aprovação) desde que mantida a autonomia do consumidor para dar ou não sua anuência e ser incluído nessa nova forma de armazenamento de dados de quitação de contas.
Nessa conjuntura, então, aplicar-se-ia o previsto no art. 43, da Lei n.º 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor) cujo caput diz “O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as respectivas fontes”. E como os bancos de dados são entidades de caráter público (CDC, art. 43, parágrafo 4.º), mas sustentados pelos fornecedores, não haveria despesas para os consumidores, salvo que esses optassem por obter um CD com tais informações (cujo custo seria inferior a dois reais).
Assim, pelos sites ou nesses locais poderiam ser armazenados esses documentos de quitação firmados pelas empresas, sendo que o consumidor, caso desejasse, teria a possibilidade de acessá-los mediante senha que a empresa lhe fornecesse ou obter uma declaração (da empresa ou do banco de dados, seja por documento ou CD), constando todas as contas que pagou. Por essa sistemática, mesmo que se estabelecesse um prazo mínimo e essencial de cinco anos, na verdade, até décadas de contas quitadas poderiam ser armazenadas e caso o consumidor preferisse manter consigo alguma comprovação teria meios para que ela lhe fosse fornecida a custo irrisório diante da praticidade. Já que houve a opção de legislar sobre o óbvio, ao menos se poderia ter estabelecido um sistema mais evoluído e apto para o futuro.
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.