Para o comerciante, o mais inteligente é não se omitir da responsabilidade

Oscar Ivan Prux

Quando precisa fazer alguma reclamação, é muito comum o consumidor se dirigir à loja onde comprou o produto. Naturalmente, o comerciante é espécie de longa manus do fabricante e ponto de contato deste com o consumidor. Nestes casos, independente do tipo de problema, é freqüente ele deparar-se com a afirmação de que isto é uma questão da fábrica ou, então, que o consumidor deve buscar a assistência técnica autorizada pelo fabricante para cumprir os termos da garantia. Em complemento a essa afirmação de que o problema não é com eles, os comerciantes costumam indicar o telefone 0800 do fabricante ou se limitam a informar o endereço da assistência técnica, condicionando os consumidores a terem de buscar as providências para a solução pretendida.

Quando um produto apresenta problemas, é fundamental reconhecer a diferença entre vício e defeito. No vício, o prejuízo é apenas patrimonial, de modo que existem opções de composição, sendo que a responsabilidade é solidária entre o fabricante e o comerciante. Já o defeito tem outra conformação. Por tratar-se de situação em que é colocada em risco a saúde ou segurança do consumidor, sendo que a tolerância deve ser zero nestes casos, não se permite composição. A responsabilidade foca-se mais nas figuras que atuaram na cadeia de fornecimento que precede a chegada do produto ao comerciante, mas sem que este último possa ficar completamente isento de obrigações. Nestes casos, a presença de defeito intrínseco no produto, não condiz com qualquer esforço no sentido de consertar a mercadoria. Ele tem de ser retirado do mercado, cessada a sua fabricação e distribuição, além de serem indenizados aqueles que tenham sido prejudicados. Conforme o art. 12, da Lei nº 8.078/90, situações em que o projeto, a fabricação, a construção, a montagem, a fórmula, a manipulação, a apresentação ou o acondicionamento, conduzem a presença de defeituosidade no produto, implicam em responsabilidade objetiva (que independe da demonstração de existência de culpa) para o fabricante, o produtor, o construtor (nacional ou estrangeiro) ou o importador.

Pode-se citar como exemplo, os produtos chineses que foram retirados do mercado em razão de conterem substâncias tóxicas ou aqueles cujas peças se desprendiam e podiam ser engolidas pelas crianças de pouca idade. Por evidente, diante da impossibilidade de consertar definitivamente esses produtos defeituosos, a conseqüência jurídica natural é a retirada imediata deles do mercado, indenizando-se aos prejudicados. Nestas hipóteses de responsabilidade pelo fato do produto, afigura-se fácil apontar o fabricante como responsável e talvez isto explique (mas não justifique!) essa prática do comerciante simplesmente dizer ao consumidor que deve entrar em contato com a fábrica ou a assistência técnica. A realidade cotidiana, porém, mostra a existência de grande complexidade em muitas das situações vivenciadas no mercado. Em primeiro lugar, existe a dificuldade em saber quem, de fato, é o fabricante do produto. Há casos nos quais se observa haver um fabricante real e outro que é aparente. Ou seja, um que realmente fabrica o produto e outro que apenas expõe a sua marca na embalagem tal como se fosse o fabricante. Também, há situações em que o fabricante é estrangeiro ou ostensivamente desconhecido para o consumidor, sendo praticamente inalcansável para este, como no caso já referido dos brinquedos fabricados na China. Por conta disso, o Código de Defesa do Consumidor, a par de responsabilizar o fabricante, o produtor, o construtor e o importador, também enumerou circunstâncias específicas nas quais existe a responsabilidade solidária destes com o comerciante. Diz o CDC:

“Art. 13 O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:
I o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;
II o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;
III não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

Parágrafo único Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danos.”

Ao examinar o respectivo dispositivo, logo se observa a carência de redação no inciso I, ao não prescrever expressamente que a identificação do fabricante, construtor, produtor ou importador, deve estar clara para o consumidor já no momento da contratação, não se permitindo que aconteça a posteriori, quiçá em juízo quando o comerciante acionado venha a arguir o referido motivo para ser eximido de responder pelo defeito no produto. No mesmo sentido, em se tratando da hipótese versada no inciso III, para o consumidor é muito difícil saber se o produto perecível veio da fábrica com defeito ou foi mal conservado pelo comerciante. Seria mais apropriado nestes casos que a lei tivesse mantido a responsabilidade solidária entre o comerciante e os demais integrantes da cadeia de fornecimento, afinal aquele que vende é o natural representante dos demais perante o consumidor. E entre os agentes econômicos envolvidos, existe facilidade em acertar contas no ambiente negocial ou valendo-se do direito de regresso inserto no parágrafo único do artigo recém-transcrito.

Portanto, em se tratando de defeito capaz de provocar acidente de consumo, para o comerciante não é a melhor solução simplesmente indicar o telefone do fabricante ou o endereço da oficina autorizada. Até por questão de marketing, não é inteligente ele preocupar-se unicamente em apontar outros responsáveis. Aproxima-se a época de compras de Natal e o consumidor não costuma esquecer quem no comércio é hábil para vender e omisso para resolver os problemas.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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