Oscar Ivan Prux
A distinção entre o fato e o vício do produto ou do serviço consoante o previsto no Código de Defesa do Consumidor, merece ter ressaltada a questão do primeiro afetar primordialmente a saúde e segurança do consumidor e o segundo dizer respeito, basicamente, a respeito da questão do prejuízo patrimonial que esse sofre. Se no fato, quando do acidente de consumo, os danos são extrínsecos e vão além da desvalorização ou perda do próprio produto ou serviço (atingem a incolumidade físico/psíquica do consumidor), no vício que causa o incidente de consumo, ocorre fundamentalmente um prejuízo de ordem econômica, intrínseco e decorrente da perda da utilidade do próprio produto ou serviço (da sua utilidade, do valor que foi pago por ele). Por isso o CDC distinguiu e estabeleceu disposições diferenciadas para uma e outra. A questão não reside apenas em que as agressões à saúde ou segurança do consumidor sejam mais graves e os prejuízos decorrentes dos vícios, teoricamente, sejam menos graves. Primeiro, que eles podem acontecer concomitantemente, mesmo que um deles adquira relevância maior para o consumidor. Segundo, que o número de casos de incidentes de consumo é substancialmente maior do que os de acidente de consumo, sendo que os prejuízos apresentam um volume deveras relevante para os consumidores. Deste modo, no que tange a importância a ser dada para a questão da responsabilidade pelos incidentes de consumo, jamais se deve considerar menos graves ou menos relevantes esses vícios de qualidade ou quantidade dos produtos ou serviços, pois os danos que eles causam, principalmente em países não desenvolvidos, podem comprometer substancialmente a própria qualidade de vida do consumidor. Por produtos ou serviços com vícios stricto sensu, entenda-se aqueles que são dotados de impropriedade ou inadequação, conforme o referido principalmente nos artigos 18 e 20 do CDC. São os que demonstram carência de aptidão, total ou parcial, para o fim a que se destinam. Ou não servem para o objetivo que motivou a contratação, ou seus atributos de durabilidade e desempenho se mostram aquém do devido. E isso pode acontecer, inclusive, pela falta da correta quantidade, seja do próprio produto/serviço em si, seja de algum produto que o compõe, determinando a impropriedade para o consumo ou a diminuição do seu valor, características típicas do vício do serviço. Note-se, ainda, que a própria disparidade entre as características que o serviço fornecido demonstra e o que constava da oferta ou da informação publicitária, é suficiente para gerar o dever de reparar o dano. Para o consumidor, tradicional vítima de incidentes de consumo, é deveras importante que a responsabilidade civil nessa área, seja conforme com a técnica adequada aos tempos em que vivemos. E foi isso que o CDC buscou encontrar. Quando se estuda a doutrina nacional referente a responsabilidade civil originada de vícios do produto ou serviço, pode-se observar claramente, a existência de uma divisão entre umas poucas correntes principais: – a) a que diz ser responsabilidade subjetiva com presunção relativa de culpa (propugnada por Paulo Luiz Netto Lobo); -b) a que diz tratar-se de responsabilidade subjetiva com presunção absoluta de culpa, ou seja, de culpa presumida juris et de jure (defendida por juristas como Antônio Hermen de Vasconcellos e Benjamin e Maria Helena Diniz); – c) e, a que diz simples e diretamente que essa responsabilidade é objetiva (exposada por Nelson Nery Junior e Luiz Antonio Rizzatto Nunes, dentre outros). O transcorrer do tempo vem mostrando que as duas primeiras perdem adesões, emergindo como preponderante no cenário jurídico nacional a concepção de que em casos de vícios dos produtos ou serviços, na esfera civil, o fornecedor deve responder na modalidade objetiva. A primeira, por afastar-se daqueles pressupostos mais adequados para reger as relações de consumo, nas quais existe para o fornecedor um inafastável dever de qualidade. E, a segunda, por conta de que presunção absoluta de culpa, na verdade, constitui-se em responsabilidade objetiva, apenas que vestida com outra roupagem.
Assentados esses postulados, entretanto, deve-se notar que mesmo tratando-se de responsabilidade objetiva, fica evidente que o CDC aponta para formas extrajudiciais de composição, algo que não acontece com relação a responsabilidade pelo fato do produto e do serviço. Se há justa razão para que nas oportunidades em que a saúde ou segurança do consumidor sejam afetados, a relação de consumo deve desaparecer do mundo fático e jurídico (a tolerância deve ser zero), também é evidente que tratando-se de aspecto meramente patrimonial, com ajuste econômico se pode resolver o problema. Deste modo, a Lei n.º 8.078/90, não se limitou a mencionar expressamente que o consumidor pode optar por exigir a substituição das partes viciadas, ao invés de fixar-se desde logo em um pedido de indenização. E mais, reforçou essa prescrição dizendo que se o vício não for sanado no prazo de 30 (trinta) dias, o consumidor pode escolher entre as alternativas de receber outro produto ou serviço (sem vício) em substituição, a restituição imediata da quantia que houver pago (sem prejuízo de eventuais perdas e danos) ou o abatimento proporcional no preço. Dessa forma, acenou com a oportunidade do fornecedor resolver o impasse com o consumidor sem que necessariamente o incidente se transforme numa lide judicial. O princípio, portanto, é o da composição como forma de conservação do contrato, pois nestes casos vale muito a pena tentar salvá-lo, visto que o problema diz respeito meramente a questão de ordem patrimonial. E assim também efetiva-se o princípio de que o contrato deve cumprir sua função social.
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.