Os sorteios e a proteção dos interesses econômicos do consumidor

O mercado está repleto de promoções intensamente divulgadas por amplas campanhas publicitárias, nas quais são prometidos sorteios de bens para consumidores que adquirirem determinado produto ou serviço. Esta técnica cativa consumidores para darem preferência às empresas quando existe algum sorteio ligado ao consumo. O brasileiro gosta de arriscar a sorte e é por natureza um esperançoso de que o destino pode lhe trazer benesses graciosas.

É legítimo que os fornecedores utilizem recursos de marketing para incrementar as vendas de seus produtos ou serviços. Inexiste vedação legal específica e este é um direito que se insere no contexto da livre iniciativa, princípio constitucional com destaque na ordem econômica. Portanto, desde que com as autorizações pertinentes e respeito à legislação específica, é lícito realizar este tipo de sorteio. A questão está em observar, sob a ótica do Direito do Consumidor, se os procedimentos adotados usualmente no mercado realmente respeitam de forma integral os direitos dos consumidores. Esta problemática vai além das considerações relativas a aspectos como a oferta publicitária não possuir irregularidade ou a campanha promocional manter-se dentro de limites que não a insiram como prática abusiva. Existe um contexto muito mais amplo e complexo a envolver esta prática de sorteios, em especial no que refere ao cuidado com os interesses econômicos do consumidor, aos quais aderem aspectos como à correta informação e aceitação por parte do consumidor, do ônus que representa qualquer distribuição específica dependente de sorte (incerta). Note-se que as empresas praticam o fenômeno econômico chamado de internalização pelo qual todo gasto havido na atividade deve ser suportado pelo resultado que elas obtêm com a comercialização de seus produtos ou serviços. Diante desta circunstância, por evidente, tem-se que a benesse que alegra o consumidor sorteado, sempre é custeada de forma indireta também pelos demais consumidores. Mesmo quando a empresa busca alcançar os consumidores potenciais, realizando sorteio meramente promocional de sua marca (desvinculado da necessidade de qualquer aquisição), o custo desta promoção é incluído (repassado) no preço dos produtos ou serviços comercializados. Na maioria dos casos, o ganho de escala redundante do aumento da comercialização não é suficiente para assimilar estes custos, até porque os concorrentes também fazem suas promoções impelindo para um aumento coletivo de preços (mesmo que não combinado entre os fornecedores). O resultado é que o prêmio comprado pela empresa para sorteio é pago com sobras pelos consumidores, mesmo que de forma indireta e sem uma especificação. Discutir-se se é justo que todos paguem pelo que apenas um vai ganhar, extrapola a seara jurídica e ingressa em universo multidisciplinar. Na esfera econômica, temos que este recurso de marketing provoca natural aumento nos preços dos produtos e serviços, o que, no geral, não é bom, considerado o controle inflacionário e, em especial, os prejuízos quanto ao direito de acesso ao consumo para milhares de consumidores de menor poder aquisitivo. E mais, deve-se reconhecer que o fornecedor quando acresce esse porcentual à mais no preço de seus produtos ou serviços não sabe quanto vai conseguir faturar, de modo que opta por trabalhar com uma margem de segurança, acrescendo mais do que realmente poderia ser necessário para custear o prêmio e ainda ganhar com o aumento das vendas, afinal a promoção existe para gerar lucro e não com o sentido filantrópico de ajudar o consumidor sorteado (não é uma iniciativa de responsabilidade social, mas mera técnica para obter mais lucro). Note-se, reiterando, que por falta de adequada cultura econômica (e do eterno sonho de levar vantagem), a maioria dos consumidores não se apercebe e toma consciência de que, acoplado ao produto ou serviço que adquire, também está comprando um autêntico bilhete de loteria e está pagando por ele.

Esta realidade reclama modificação. Uma solução radical seria proibir estes tipos de sorteios encarecedores dos preços nas relações de consumo, fazendo com que os fornecedores se dedicassem a comercializar apenas produtos e serviços (e não espécies assemelhadas a loterias). Esta providência reduziria os preços dos produtos e facilitaria a implementação do direito de acesso ao consumo para as pessoas de menor renda. Todavia, como já dissemos, este contexto esbarra no aspecto cultural. Assim, em mantendo a permissão, formas paliativas podem ser tentadas, tais como: – exigir-se que quando for arealizada alguma promoção deste tipo, por advertência específica inserida na embalagem ou documentos fiscais, o consumidor seja informado de que incluído no preço do bem adquirido, também está pagando pelo prêmio que será sorteado. Esta espécie de informação pode parecer elementar e desnecessária, mas, infelizmente, diante da falta de cultura econômica de elevado número de pessoas é importante detalhar-se a origem do preço que ele está pagando; – outra providência interessante é obrigar o fornecedor a destacar nos documentos fiscais, o valor que representa a venda do produto ou serviço e o que se refere ao sorteio, liberando o consumidor de ser obrigado a participar da promoção, caso não queira. Somente assim, ele poderá exercer efetivamente seu direito de escolha e obter acesso ao consumo de forma adequada às suas condições pessoais.

Por derradeiro, informe-se que esta problemática existe até mesmo nos países mais ricos, pois os efeitos da globalização geraram uma legião de pobres com imensas dificuldades de acesso ao consumo, não é, portanto, privilégio brasileiro ter de pensar formas de equacionar melhor esta realidade.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.