Os recursos de integração para solucionar lides envolvendo relações de consumo

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Oscar Ivan Prux

Em termos de recursos de integração passíveis de serem aplicados em lides envolvendo relações de consumo, com quais instrumentos legais conta o juiz para buscar justiça em sua decisão?

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Primeiramente, é capital salientar que para a proteção do consumidor, existe todo um aparato de normas a compor um sistema de defesa. Ele principia com a Constituição Federal e conta com dezenas de outras disposições legais (exemplo: Lei n.º 9.656/98, Lei n.º 8.137/90, normas de vigilância sanitária, resoluções pertinentes à fabricação, rotulagem, publicidade e venda de produtos ou serviços, etc.). Nesse contexto, prevê o caput do art. 7.º, do Código de Defesa do Consumidor: “Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade”.

Para entender-se este dispositivo, o primeiro aspecto a considerar é que, conforme o art. 126, do CPC, o juiz não pode se eximir de sentenciar ou despachar, alegando lacuna ou obscuridade da lei. Configurando-se essa situação, cabe-lhe recorrer aos já citados recursos de integração como forma de encontrar alternativas compatíveis para bem resolver a questão. E, nesse sentido, a fórmula escolhida pelo CDC, em muito se assemelha (mas não as iguala) com a adotada pela Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei n.º 4.657/42), que diz em seu art. 4.º: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”. Essa semelhança prossegue na importante observação de que, tanto no art. 4.º, da Lei n.º 4.657/42, como no art. 7.º, do CDC, a ordem estabelecida na relação dos recursos de integração, não aponta precedência ou preponderância de um deles sobre o outro. E mais, no CDC, a relação não é taxativa (mas meramente exemplificativa), pois com a evolução das relações sociais, em especial as de consumo, deve o operador do direito fazer a escolha mais adequada das normas e recursos aplicáveis ao caso concreto que esteja sob exame (segundo Cláudia Lima Marques, inclusive fazendo uso de um diálogo das fontes com outras normas). Outro detalhe importante: para propiciar instrumentos a efetiva proteção ao consumidor, no art. 7.º foi incluída a equidade como recurso de integração (não contemplado em outras normas). É de se acreditar que tal opção se deva ao fato de que em seu art. 127, o CPC prescreve textualmente: “O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei”. Assim, essa oportuna inclusão efetivada pelo CDC, dirimiu dúvidas, permitindo haver uma ferramenta a mais para resolver estes casos. Como expressou Maria Cecília Nunes Amarante: “Neste panorama de tantas especificidades onde reside a diversidade, a diferença, o poderio económico dos detentores dos meios de produção e o clamor dos consumidores por um tratamento mais favorável, revela-se bastante significativo fazer o caminho inverso daquele feito pelo legislador. Assim, deve partir das abstrações da realidade para alcançar as preceituações mais concretas, quer dizer, adequar continuamente os princípios, conciliar permanentemente os valores e realizar a Justiça in concreto. É através deste processo interpretativo das leis de consumo, que se faz reconhecer como princípio fundamental o tratamento mais favorável ao consumidor, quando, na verdade, são considerados inteiramente todos os elementos da realidade para a determinação do equilíbrio correspondente nas relações de consumo. E aí temos a valiosa projeção da Equidade” (“Justiça ou equidade nas relações de consumo”, pág. 97, Rio de Janeiro, Lúmen Juris, 1998).
Como é curial na cultura jurídica, sabe-se que a lei não abarca todo o direito e que a justiça pode diferir deste em certas situações. Muitas vezes há que se buscar além daquilo que está escrito nos dispositivos legais para poder alcançar a verdadeira ordem jurídica justa. O ideal preconizado pelo art. 5o, da Lei de Introdução ao Código Civil, assim se resume: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Deste modo, para atender aos fins sociais da lei, mesmo que não sendo imprescindível, é de reconhecida utilidade, o fato de que o recurso de integração que se pretenda aplicar, no caso a equidade, esteja inscrito em norma legal.

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Portanto, o legislador deixou claro que, respeitados os direitos legítimos de fornecedores e terceiros envolvidos, o “guarda-chuva” de proteção aos direitos dos consumidores, conforme os recursos de integração estabelecidos, deve ser o mais amplo possível. E tal se deve ao contexto variado e complexo que afeta as relações de consumo. Importante considerar que a aplicação dos recursos de integração, não prejudica a segurança jurídica. Analogia, costumes, equidade e princípios gerais do direito propiciam fundamento para que se decida quando paire dúvida por lacuna ou omissão da lei. Ou seja, apontam uma espécie de “norte” para a solução de litígios, o que também beneficia os fornecedores. E mais, a aplicação de normas internacionais as quais o país tenha aderido, impõe determinados standards de qualidade aos produtos e serviços. Isso incentiva e mobiliza as empresas que atuam em território brasileiro, a melhorarem seus fornecimentos, única forma de alcançarem competitividade capaz de colocá-las em condições de concorrer com empresas de ponta, principalmente as transnacionais. E, neste caso, a par do benefício para consumidores e fornecedores, naturalmente, existe um notório ganho social.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em direito. Coordenador do curso de direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.