Os juros e a configuração legal de usura em contratos bancários

Oscar Ivan Prux

Com a recente crise econômica mundial, os apologistas do livre mercado completamente isento de regulamentações, tiveram um forte revés para suas idéias. Foi exatamente nos abusos e no descontrole do sistema bancário americano que o problema começou. E dentro do vigente sistema financeiro globalizado tácita e explicitamente, as mazelas decorrentes da insolvência de bancos norte-americanos se espraiaram para os demais países provocando redução da atividade econômica, com sua mais nefasta conseqüência que é o desemprego. Diante desse cenário houve um retorno às idéias de que a liberdade total é inadequada, valendo muito adotar um porcentual de boa intervenção e controle do Estado sobre a economia. Tudo sem impedir o lucro, mas cerceando aquele que advenha de atividades econômicas perniciosas para a coletividade. Não é tão relevante se os bancos e banqueiros obtêm riqueza desproporcional em relação às demais atividades, mas sim, se eles cumprem sua função social. O desvirtuamento proveio exatamente pelo fato de que o setor da economia que auferia maiores ganhos foi exatamente aquele que provocou a crise que ainda não cessou. Esse debate entre maior ou menor envolvimento do Estado na economia não é novo e ao longo dos séculos sempre provocou polêmicas. Já na Idade Média, com a pretensão de conseguir altos lucros, os banqueiros buscavam silenciosamente dominar o Estado para que esse não interviesse de forma a cercear suas atividades mais lucrativas, independente delas serem ou não contributivas ao restante da população. O egoísmo tido como benéfico por Adam Smith, jamais foi equilibrado pela livre concorrência, pois o setor bancário sempre foi oligopolizado. Ou seja, os bancos se acostumaram a ganhar muito e a rotineiramente tentarem se omitir de regulamentações ou fiscalizações por quem quer que seja. E sua influência sempre foi tanta, que o Banco Central nunca puniu devidamente seus deslizes, o Legislativo nunca editou a lei que regularia o já revogado teor do art. 192, da Constituição Federal do Brasil, que limitava os juros ao máximo de 12% ao ano e até na Justiça, foram necessárias quase duas décadas para haver a declaração definitiva pelo Supremo Tribunal Federal de que nos empréstimos bancários para destinatário final, aplica-se o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, algo que a referida lei já dizia expressamente desde sua aprovação. Entretanto, após o surgimento da crise econômica mundial que estamos atravessando, essa força que os detentores do capital têm demonstrado, passou a sofrer críticas e contestações, as quais estão induzindo para surgimento de medidas práticas interessantes. Para contratos empresariais firmados entre fornecedores, tem-se o exemplo da decisão judicial que declarou serem de 12% ao ano, o máximo de juros que as factorings podem cobrar (Recurso Especial, protocolo no STJ nº 2008/0080340-0, Quarta Turma). E para contratos caracterizados como relação de consumo, observe-se o exemplo dado na União Européia por Portugal que criou legislação estabelecendo critérios para caracterizar a usura e para limitar as penalizações por reembolsos antecipados (quando o consumidor resolve pagar antes do vencimento as parcelas de seu contrato de crédito). Segundo informou o site Netconsumo pertencente à APDC (Associação Portuguesa de Direito do Consumo), o Decreto-Lei nº 133/2009 que entrará em vigor dia 1º de julho deste ano, veio estabelecer que as penalizações por reembolso antecipado, ou seja, por pagamento antes do prazo das prestações de um contrato bancário, estarão limitadas a 0,5% se a parte faltante do contrato for superior a um ano e a 0,25% se for de prazo inferior. Vale notar que mesmo tendo que pagar uma penalização, o consumidor tem direito à redução dos juros relativos ao prazo não transcorrido do contrato. Essa prescrição legal é valiosa na medida em que, tanto em países da União Européia, como no Brasil, os bancos chegam ao exagero de cobrar até 40% de multa por pagamento antecipado das parcelas do contrato firmado com o consumidor. Ou seja, se o cliente correto vai além da pontualidade exigida e antecipa pagamentos, acaba tanto ou mais prejudicado do que aqueles que depois de inadimplir, pagam a prestação com atraso. Trata-se, portanto, de norma disposta para banir essa prática contratual abusiva e repor a justiça contratual nestes casos.

E, no que é mais significativo, com um prazo um pouco mais dilatado para entrar em vigor (passará a valer a partir de 01/10/2009), o mesmo Decreto-Lei veio estabelecer que se caracterizará a usura nos casos em que os valores da TAEG (Taxa Anual Efetiva Garantida), quando da celebração do contrato, excedam em um terço o valor médio praticado pelas instituições de crédito no trimestre anterior. E, em complemento, a mencionada legislação fixou que em contratos coligados (exemplo: venda e financiamento), quando se decide haver irregularidade em um, naturalmente essa circunstância deve repercutir no outro.

É importante observar que o Decreto-Lei ora referido, transpõe para o Direito Português, a Diretiva 87/102/CEE (antiga Comunidade Econômica Européia), a demonstrar que se trata de uma iniciativa estabelecida com visão continental e cujo exemplo o Brasil deve seguir. E já seria um grande começo estabelecer um parâmetro mais preciso conceituando usura.

Portanto, o Brasil que antes era criticado pelos adeptos do livre mercado por estabelecer muitos regulamentações para a área bancária e abominado pela população pela ausência de fiscalização quanto ao cumprimento desta, precisa seguir o exemplo mundial e criar as leis que precisamos para evitar abusos e impor aos bancos, principalmente na questão dos juros, os limites compatíveis com o cumprimento da função social dos contratos que eles celebram com os consumidores.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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