A inclusão digital é reputada como fundamental para progresso pessoal e profissional das pessoas. A inserção e a evolução profissional e mesmo a interação com a realidade da vida pós-moderna demandam um mínimo de conhecimento nesta área. Atualmente, quem não sabe operar um computador, navegar na internet, trabalhar com programas ou comunicar-se por e-mail, é considerado analfabeto digital, com toda a gama de restrições (e até discriminações) pertinentes. Entretanto, é importante observar que esta verdadeira parafernália tecnológica não deixa de se fazer parte de negócios inseridos em milhões de relações de consumo deveras complexas envolvendo o relacionamento entre seres humanos e máquinas (computadores, programas e acesso à rede mundial de computadores, etc.).

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De longa data a indústria ligada à informática vem sendo acusada de inúmeras irregularidades, que vão da prática de obsolescência planejada até venda casada de produtos ou serviços compatíveis apenas com os da mesma companhia. Paralelamente, a internet tem sido louvada por seus benefícios, mas não são poucos os graves problemas que ela carrega consigo, da veiculação de pornografia até o fato de servir de instrumento para facilitar crimes (como pedofilia, invasão ilegal de contas, movimentação de dinheiro de forma ilícita, comunicação entre criminosos, etc.). Deste contexto, portanto, emergem questões muito relevantes, principalmente considerando-se a tendência de um envolvimento cada vez maior de todos, em especial das novas gerações. Esta assertiva reforça a importância de empreender estudos quanto a estas relações de consumo, sendo que neste momento, pela brevidade do espaço para nosso comentário, pinçaremos apenas a questão dos vícios cibernéticos e a responsabilidade civil decorrente.

Em primeiro momento, é importante explicar que quando se fala em ?indústria da informática?, na verdade se está usando terminologia menos ligada à técnica e mais decorrente da mutação operada pela linguagem popular, que trata como ?indústria?, todo o conjunto da atividade, incluindo o fornecimento de serviços. Em segundo lugar, cabe referenciar que vício cibernético é a dependência incontrolada de uso do computador e, principalmente, da utilização excessiva de internet. O comportamento da pessoa quanto à utilização da internet é determinante para apontar se ela é viciada ou não. O número despropositado de horas que ela se mantém na internet e, caracteristicamente, a ansiedade e a verdadeira angústia para voltar a se conectar quando está off-line, são sintomas evidentes do vício. Trata-se de consumo compulsivo e o resultado é que o viciado sofre danos físicos e psicológicos, encontrando enormes dificuldades para se libertar dessa dependência.

Naqueles que sofrem deste vício, são comuns: – a) as lesões de esforço repetitivo (LER), em razão da pessoa ficar longo tempo sentada em frente do computador fazendo os mesmos movimentos; – b) a compulsão em estar sempre conectado consumindo este tipo de serviço; – c) a irritabilidade e a dificuldade de aceitação quando tem de reduzir o tempo na internet; – d) a falta de concentração e dificuldade de assimilação dos conteúdos que lhe chegam na escola ou no trabalho, seja por cansaço físico trazido pelo elevado número de horas em frente do computador, seja pelo cansaço mental decorrente de tantas leituras (e visão de imagens) durante os longos períodos de navegação na internet; – e) os prejuízos pelos conteúdos de má-qualidade que lhe chegam pela internet; – f) a tendência de viver um mundo irreal e acreditar nele a ponto de vincular-se tanto que é freqüente saber-se de pessoas até exporem na rede, para terceiros (indiscriminadamente), dados relevantes pertencentes a sua intimidade; – g) a perda de relacionamentos pessoais e profissionais (que não sejam on-line), bem como, de elementos da vida social, devido ao tempo em que o viciado permanece conectado e ausente de tudo que é off-line.

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Diante desta conjuntura, importante referir que as empresas atuantes neste ramo de atividade devem estar sujeitas a deveres específicos, no sentido de alertar os consumidores da possibilidade de contrair o vício, bem como, de orientá-los sobre as maneiras de se prevenir, de detectar sua incidência e de obter tratamento. Note-se que as empresas quando fornecem em relações de consumo, têm o dever de acompanhar a trajetória de seus produtos e serviços no mercado, atuando decisivamente na busca de evitar que danos atinjam aos consumidores. Estamos a mencionar uma área com milhões de relações de consumo e os fornecedores precisam ter responsabilidade pelos problemas decorrentes dos produtos e serviços que colocam no mercado. Deve haver para as empresas que atuam nesta área, o encargo de providenciar ajuda concreta para os consumidores viciados. As empresas que colocam no mercado produtos ou serviços que podem causar dependência, seja física, seja psicológica, devem arcar com as eventuais conseqüências deletérias de seu negócio. Não procede delegar ao Estado este dever de tratamento dos viciados (falta legitimidade ao argumento de que os impostos – pagos por todos e não apenas por aqueles com acesso ao mundo digital – deveriam ser usados para isto) e nem mesmo ao próprio consumidor ou sua família. Urge a imposição legal para que estas empresas tão importantes para a economia e o progresso social, além dos deveres rotineiros atribuídos a qualquer fornecedor, também tenham que providenciar centros de tratamento ou outras formas para atender a cura dos consumidores viciados, afinal quem aufere o proveito deve assumir o risco e arcar com a solução quando advém o dano.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em teoria econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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