Oscar Ivan Prux

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O cooperativismo de crédito só vem crescendo no Brasil. Todavia, apesar de ter origem na economia solidária, muitas vezes não deixa de incorporar algumas mazelas típicas do sistema bancário brasileiro. Uma delas é tentar furtar-se ao cumprimento do Código de Defesa do Consumidor nos seus contratos com correntistas. Mesmo tendo demorado muitos anos, o Supremo Tribunal Federal consagrou que o CDC aplica-se aos contratos bancários envolvendo consumidores, tal como a Lei n.º 8.078/90 já prevê faz quase duas décadas.

A alegação das cooperativas de crédito nesse caso, sempre se centrou no argumento de não haver relação de consumo com base no fato de que o cooperado que é correntista e celebra o contrato bancário, é sócio da cooperativa. Segundo esse posicionamento, sendo igualmente proprietário da cooperativa que fornece o crédito o correntista não poderia ser considerado consumidor. Nada mais falacioso, como se pode observar por sucinta análise jurídica.

A cooperativa é uma forma societária pela qual um grupo de cooperados se une em uma pessoa jurídica estabelecida para lhes prestar serviços. Através dessa fórmula, eles se tornam sócios e passam a somar esforços e partilhar resultados, viabilizando suas atividades e interesses econômicos. O objetivo é obter condições melhores de negociação e resultados muito mais auspiciosos em termos de diminuição de custos e aumento de rentabilidade. Note-se que a cooperativa não visa lucro (inclusive, por impositivo legal) e ao prestar serviços diretamente ao cooperado, faz por dispensar a presença do terceiro intermediário, cujos ganhos causam diminuição do resultado econômico que este (cooperado) obteria.

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Em uma cooperativa de crédito, por exemplo, o montante das cotas do cooperado já constitui capital para a sociedade e esta pode conceder empréstimos apenas cobrando o que paga nas aplicações, acrescido dos tributos e de uma parcela para sustentar seus custos, não cobrando qualquer valor a título de lucro. Dessa forma, os juros que o cooperado paga são menores do que os praticados no mercado por bancos que não são cooperativas. Entretanto, essa forma de operar não descaracteriza a existência de relação de consumo com incidência plena do CDC nos contratos firmados entre a cooperativa e o seu cooperado envolvendo conta corrente, depósitos, aplicações e empréstimos (crédito em geral). Não há como fazer prosperar a absurda tese de que o cooperado não pode ser considerado consumidor por ser também um dos donos da cooperativa. Observe-se que quando alguém ingressa numa cooperativa, juridicamente não celebra contrato com ela, mas sim com os demais membros também integrantes da sociedade.

Há, portanto, dois contratos de natureza diferente. Um que é societário, havido com os demais sócios, e outro, de fornecimento entre um cooperado na condição de cliente consumidor e a empresa fornecedora (a cooperativa). E nada impede que alguém que detenha ações ou cotas possa fazer negócios com a pessoa jurídica da sociedade, que é distinta da de seus membros, e onde ele não é proprietário sozinho. Aliás, é curial em direito que não se pode confundir a pessoa jurídica da empresa com a pessoa física de qualquer de seus sócios. Deste modo, constitui uma heresia técnica fazer essa espécie de estapafúrdia desconsideração tácita e automática da pessoa jurídica tendo como único objetivo, tentar consolidar o absurdo argumento de que quando o cooperado contrata empréstimo não existiria relação de consumo, pois este se confundiria com a figura da empresa (devido a ser sócio dela). Um contrato de empréstimo entre cooperativa de crédito e cooperado é idêntico a qualquer um daqueles de mesma natureza que são celebrados com outros tipos de instituições bancárias. Uma vez caracterizada a destinação final, tal como decidiu definitivamente o Supremo Tribunal Federal, caracteriza-se relação de consumo, com aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Um empréstimo em cooperativa de crédito nunca se trata de espécie de contrato consigo mesmo, mas sim, de contratação estabelecida entre uma empresa fornecedora e um consumidor.

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O simples fato daquele que, na condição de cliente que contrai o empréstimo, também ser sócio cooperado, não é suficiente para desnaturar a relação de consumo e transmutar a posição dele para a de fornecedor. De forma idêntica ao que acontece nos contratos dos demais bancos, a aplicação do CDC é, portanto, impositiva para todas essas contratações caracterizadas como relação de consumo, não se permitindo que as cooperativas de crédito tentem se subtrair a seus deveres de fornecedoras.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.