O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90) representa uma mudança de mentalidade no contexto brasileiro e não se pode entendê-la sem assimilar o real significado do princípio do ?reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo?. Vulnerabilidade esta, a justificar que a lei venha proteger substancialmente a parte mais fraca (o consumidor), como forma de equilibrar as relações sociais de consumo e propiciar a igualdade isonômica estabelecida em nossa Constituição Federal.

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O ser humano consome e consome, a todo tempo, e é preciso entender como usualmente se processam essas relações, forma de tomar consciência sobre a inquestionável importância do referido princípio.

Quem examina a prática social observa que a relação de consumo não se processa entre partes com igual força no mercado. Existe inegável fragilidade da posição do consumidor na realização destes negócios jurídicos. Acontece um habitual desequilíbrio de forças em razão da necessidade por parte do consumidor, daquele produto ou serviço que ele busca adquirir e, em especial, pela falta de conhecimento técnico deste partícipe da relação de consumo. Inclusive, estes fatores normalmente são agravados pelas modernas técnicas mercadológicas criadas pelos fornecedores, hábeis no marketing para alcançar o consumidor no sentido de captar sua preferência e vender, mas nem sempre para atendê-lo na pós-venda, quando surgem os problemas. Indubitavelmente, as relações de consumo acontecem entre alguém profissional, que conhece a técnica e domina em detalhes os aspectos que envolvem o produto ou serviço que fornece (este é seu dever), enquanto, de outro lado, tem-se o consumidor necessitado do produto ou serviço para satisfazer sua necessidade e carente de conhecimentos técnicos sobre ele e todas as nuances que envolvem o fornecimento. Esta conjuntura pela qual aquele que fornece, independente de qualquer esforço, obtém uma vantagem natural sobre o outro contratante (consumidor) pode até ser normal, mesmo que não sejam envolvidos fatores como honestidade e boa-fé. Contudo, por ser algo que beneficia o fornecedor de forma automática, cabe a lei reequilibrar estas relações. Não funciona nesses casos, a idéia popular de que o consumidor ?sempre tem razão? (a falácia de que o consumidor dirige a contratação) e que ele é um ?rei? no mercado, pois na contratação vista sob o prisma individualizado, de regra, é o fornecedor quem costuma ?direcionar? os termos dela, conseqüência da maior gama de conhecimentos que detém sobre o produto ou serviço fornecido e do domínio que exerce no mercado. Frente às afirmações e/ou imposições do fornecedor, é habitual ver-se o consumidor ficar passivo, impotente ou, muitas vezes, embora indignado, sentir-se tacitamente derrotado pela sua falta de conhecimento e pela incapacidade de interferir nos rumos da contratação quando esta apresenta problemas.

Somente em situações muito específicas e particulares, como nos casos daqueles consumidores que dominam profundamente o serviço a ser fornecido, ou que têm considerável potência econômica no mercado, é que eventualmente equilibram-se as forças em termos de contratação. Estes casos são raros, tal como o de grande grupo econômico que na condição de consumidor, contrata profissional liberal advogado (fornecedor) para defender seus interesses em determinada Comarca, sendo que impõe o contrato de adesão elaborado pelo seu departamento jurídico interno. Ou como nos casos dos Juizes de Direito ou dos Promotores, que embora dominando a técnica jurídica, quando precisam de serviços jurídicos para si, acabam necessitando contratar advogado habilitado, pois eles têm vedado o exercício da advocacia. Estas são exceções que, como se diz, apenas confirmam a regra, pois raros são os casos em que o consumidor não fica nada inferiorizado diante do fornecedor quando da contratação. Trata-se, portanto de uma constatação fática inequívoca que, amparada em farta doutrina, a legislação veio equacionar para aplicação pela jurisprudência. Trata-se da busca da isonomia real, em atenção ao art. 10, da Resolução da ONU de 9.4.1985, norma que reconheceu o consumidor como a parte mais fraca na relação de consumo. Como refere Nelson Nery Junior (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante em vigor, RT) para atender a este princípio (da isonomia prevista na CF, art. 5.º, caput), o CDC criou vários mecanismos destinados a que se possa alcançar a igualdade real entre fornecedor e consumidor, pois isonomia significa tratar igualmente aos iguais e desigualmente aos desiguais, na exata medida de suas desigualdades. São exemplos de aplicação da isonomia pelo texto do CDC: a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (CDC, 6.º, VIII); a interpretação dos contratos de consumo em favor do consumidor (CDC, art. 47); a eficácia erga omnes da coisa julgada na ação coletiva para defesa de direitos individuais homogêneos, quando procedente o pedido; a inexistência de litispendência quando existe ação coletiva versando sobre os mesmos direitos que o consumidor já pleiteia em ação individual e que pode suspender para aproveitar a que, dentre as duas, lhe propicie o melhor resultado, etc.

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Assim, com a aplicação do princípio do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, temos efeitos práticos muito palpáveis e eficientes para a melhora das relações de consumo.

Em geral, os juristas não gostam de leis que vem no sentido de proteger uma das partes, principalmente quando postadas em juízo, de modo que a maior transformação operada pela recepção e acolhimento deste princípio foi, em verdade, a mudança de mentalidade.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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