Oscar Ivan Prux

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Entre muitos fornecedores existe uma idéia muito equivocada de que aqueles (fornecedores) que não têm contato direto com o consumidor, em razão disto não teriam que responder nos termos do previsto na Lei n.º 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor. É até certo ponto complexa e, às vezes, problemática, esta realidade de haver na cadeia de fornecimento uma empresa fornecedora real e outra que é fornecedora aparente do produto ou serviço. Ou seja, uma empresa é aquela que tem o contato direto com o consumidor para vender-lhe o produto e serviço (fornecedora aparente), enquanto outra é a real fornecedora, mas não se identifica para o consumidor nesta condição. Esta técnica é denominada de ?sistemas expertos?, fórmula pela qual duas ou mais empresas combinam meios e esforços no processo de prover o mercado de consumo, sendo que o consumidor nem sempre tem conhecimento de quais fornecedores integram a cadeia de fornecimento. Nesta conjuntura, então, ainda subsiste em parte do meio empresarial a crença de que, aquela empresa que permanece oculta para o consumidor não responderia nos termos do CDC, tendo sua responsabilidade civil resumida ao que esteja previsto nos termos estabelecidos nos contratos feitos entre as empresas (fornecedora real e fornecedora aparente), sendo a relação jurídica regulada pelas disposições do Código Civil (e, eventualmente, o Código Comercial).

Há um profundo engano nesta concepção. A legislação não ignora a realidade dos fatos que permeiam os vários tipos de relações negociais como parcerias, cessões de utilização de marcas, franchisings, terceirizações e outras espécies de negócios. Há pessoas físicas ou jurídicas que possuem apenas a marca que outras empresas utilizam para fabricar o produto ou denominar o serviço que será comercializado, inclusive por um terceiro fornecedor. Do mesmo modo, existem aquelas empresas que utilizam componentes de várias fábricas em seus produtos e serviços e têm o atendimento do consumidor feito por empresas de fora de seu grupo. Em um Estado democrático-liberal, a princípio (ou seja dentro dos limites legais), existe liberdade para os fornecedores se valerem de inúmeras técnicas empresariais para ganhar mercado, diminuir custos, aumentar lucros e serem competitivos no fornecimento de seus produtos ou serviços. Entretanto, nesta complexidade de relações isto não os exime de serem alcançados pelo regramento imposto no CDC, norma de ordem pública e interesse social, que prevê expressamente a responsabilidade solidária de participantes da cadeia de fornecimento (ostensivos ou não) quando dela resultar dano ao consumidor. Este princípio é materializado por inúmeros dispositivos do código, como, por exemplo: a) o parágrafo único, do art. 7.º, que diz ?Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo; b) o parágrafo 1.º, do art. 25, que prevê ?Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores?; c) e, em outras disposições espalhadas pelo código, tais como, o artigo 13 que estabelece a responsabilidade solidária do comerciante quando não conservar adequadamente o produto ou não identificar o fabricante, ou o art. 25, parágrafo 2.º, que estabelece a responsabilidade solidária do fabricante, do construtor, do importador e do incorporador quando o dano for causado por componente ou peça integrada/incorporada ao produto ou serviço. Acrescente-se que a aplicação do princípio da responsabilidade civil solidária ganha maior importância ainda, nos casos em que os fornecedores constroem verdadeiras teias de artifícios para criar uma cortina de fumaça destinada a evitar que eles sejam identificados e atingidos pelo dever de reparar as lesões aos consumidores. Independente de que o façam propositadamente ou somente tentem se aproveitar desta condição do consumidor desconhecer sua participação na cadeia de fornecimento, a responsabilização deve vir inexorável, inclusive até eventual desconsideração da personalidade jurídica da sociedade quando necessária (art. 28 do CDC).

Nas considerações derradeiras, é interessante refletir sobre o fato de que os dispositivos que foram citados neste texto, apontam sempre para a responsabilização apenas daquele que tenha sido o causador do dano. Contudo, cabe questionar: será que essa noção estrita e delimitada de imputar responsabilidade apenas ao causador do dano é suficiente para dar o devido amparo que o consumidor merece?

Acrescente-se, ainda, que muitas vezes é bastante difícil para o consumidor e até para o Julgador, identificar qual dentre aqueles que atuaram na cadeia de fornecimento, foi exatamente o responsável pela causação do problema. Mas isso, não altera duas conseqüências elementares: – primeiro, não evita a existência da lesão ao consumidor; – e, segundo, não altera as vantagens que os fornecedores obtém com a relação de consumo, o que não é justo.

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Deste modo, cremos não bastar responsabilizar apenas aquele causador do dano, mas sim, dever-se expandir essa responsabilização, para solidarizar todos aqueles que interagem e possuem algum domínio para auferir proveito do mau fornecimento. Essa é uma medida de justiça, ainda mais que, toda reparação, é indiretamente paga com os recursos advindos dos preços cobrados dos próprios consumidores. Assim, a responsabilização solidária de todos os integrantes da cadeia que colaborou para o fornecimento danoso, é princípio a ser acatado quando da aplicação do CDC, até porque, os fornecedores têm inúmeras formas negociais de se acertarem entre si.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.