O prazo para o fornecedor sanar o vício não obriga ao consumidor

Oscar Ivan Prux

Em matéria de responsabilidade civil, o Código de Proteção do Consumidor quando trata do vício do produto ou do serviço, introduziu no direito brasileiro uma sistemática inovadora para solução dos conflitos decorrentes de relações de consumo. O caput de seu artigo 18 segue a linha mestra do Código que é de responsabilidade objetiva, mas seus parágrafos e incisos representam uma nova mentalidade na busca da paz social através de fórmula extrajudicial. Fugindo a tradição, na referida norma não existe a simples prescrição de direitos, mas uma clara indução para que as partes consigam uma composição, sem lide e processo judicial, algo sempre custoso, demorado e desgastante. Nesse contexto, o referido artigo em seu parágrafo 1.º e respectivos incisos, contém expressamente: “Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias pode o consumidor exigir, alternativamente, e à sua escolha: I a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III o abatimento proporcional do preço”.

Dessa forma, a própria lei aponta caminhos para que as partes consigam uma solução amigável. Inclusive, no parágrafo 2º, está prevista a liberalidade das partes ampliarem até 180 dias, o prazo para resolverem o problema.

Por evidente, não há legitimidade para o fornecimento de produtos e/ou serviços com vícios, mas é impositivo reconhecer que isso é inevitável numa sociedade de consumo com uma quantidade tão grande de relações de consumo. Se cada uma delas que for mal-sucedida redundar em uma ação judicial, tornar-se-á impraticável o funcionamento do Poder Judiciário e será muito difícil manter uma boa convivência social. Outro detalhe: muitas das questões encontradas no mercado de consumo não envolvem altos valores sob o ponto de vista econômico e são de fácil solução, o que, frequentemente, interessa, tanto ao consumidor no sentido de obter a utilidade do bem, quanto ao fornecedor que deseja preservar seu bom nome no mercado.

Trata-se, portanto, de uma fórmula inteligente que impele para que as partes se predisponham primeiramente a um acordo.

Independente disso, vale dar destaque para o contido no parágrafo 3º (também do art. 18, do CDC) que diz: “O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do parágrafo 1.º deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substitiuição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou a característica do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial”. Casos há em que substituir a parte viciada não resolve, tal como, nas situações em que a empresa fornecedora de um carro zero quilômetro que apresente problemas na pintura, deseje refazê-la (repintar), algo que sempre irá depreciar o veículo. Outras existem em que o consumidor não pode esperar pelo conserto, como no caso de um refrigerador que é produto essencial, devido a ser indispensável para a conservação de alimentos.

Diz o dito popular que um acordo vale mais do que mil demandas, conselho que aponta para as vantagens de um acordo evitando o litígio em juízo. Esse o espirito (mens legis) que permeia essa legislação específica. Todavia, é importante frisar que a melhor leitura do texto legal, indica que o prazo de 30 (trinta) dias para o fornecedor resolver o problema existe apenas para fixar o momento em que a escolha do tipo de solução a ser adotada irá sair da alçada do fornecedor e passar para a esfera de arbítrio exclusivo do consumidor. Ou seja, fixa o momento a partir do qual, é o consumidor quem escolhe qual das alternativas previstas na lei ele prefere. O fato do fornecedor sanar o vício, seja em 30 (trinta) dias ou em outro prazo, não retira do consumidor, o direito a pleitear o ressarcimento dos prejuízos que tenha tido. Note-se que ninguém compra um produto ou serviço para tê-lo no conserto durante 30 (trinta) dias e não se observa fornecedores avisando que seus produtos ou serviços terão algum problema logo após a aquisição. A promessa é sempre de um produto que irá satisfazer integralmente a legítima expectativa do consumidor. Deste modo, mesmo quando o fornecedor sana o vício segundo o previsto no parágrafo 1.º, do art. 18, do CDC, muito provavelmente ainda restará para o consumidor algum prejuízo que ele pode optar em reclamar ou não. A guisa de exemplo, cite-se a hipótese de alguém que, às vésperas das férias, adquira um veículo novo para utilizá-lo em sua viagem de lazer. Se o referido bem apresentar problemas graves e requisitar um mês para conserto, restará ao consumidor apenas escolher entre alternativas como cancelar a viagem, utilizar outro meio de transporte ou alugar um veículo para poder desfrutar das férias. Assim, muito embora o fornecedor venha a sanar o vício dentro do prazo previsto na lei, para o consumidor, não há dúvida, remanescerá um prejuízo que pode ser significativo e mereça ser reparado. Essas constatações apontam para o fato de que o prazo inscrito na lei não pode ser considerado um direito do fornecedor em detrimento do consumidor que supostamente estaria obrigado a aguardar o referido prazo para poder ingressar em juízo. Constatado o vício, o consumidor pode exercitar seu direito de ação e mesmo havendo o conserto (ou a devolução do dinheiro) ainda lhe será facultado reclamar a indenização dos demais danos que porventura tenha sofrido.

Como conclusão, consigne-se o avanço representado pela fórmula adotada pelo CDC, a demonstrar que, quando imbuídas de boa-fé, as partes podem, de maneira pró-ativa e conciliatória, resolver a maioria dos incidentes surgidos nas relações de consumo, propiciando economia de recursos e progressos para a profícua e agradável convivência social.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Diretor do Brasilcon para o Paraná.