O material veiculado na internet e a responsabilidade civil dos provedores

A par do reconhecimento quanto às facilidades que propiciam, os contratos por internet sempre foram objeto de preocupação na seara do Direito do Consumidor. Dos detalhes quanto à licitude da forma de oferta até aspectos relacionados ao cumprimento do contrato. Destaque-se, também, a problemática quanto à segurança do usuário desse meio virtual, incluindo a responsabilidade dos provedores de internet, com referência a veiculação de material ofensivo das mais diversas espécies (dentre eles, os com incitamento à violência, pornografia e imagens relacionadas à pedofilia). Segundos dados da Abranet, são mais de 40 milhões de usuários diretos que mantém contratos com os, aproximadamente, 1700 provedores instalados no Brasil e um número incontável de usuários ocasionais, cuja média de utilização gira em torno de 22 horas mensais (seguramente das mais altas do mundo), fato que aguça, tanto interesses legítimos, quanto ilícitos. Portanto, não convém ignorar a realidade de parcela tão significativa da população, principalmente tendo em vista que nesse cenário se inserem milhões de crianças e adolescentes.

Em princípio, alguém menos vinculado à problemática do consumo, pode indagar: Em que isto se relaciona com o Direito do Consumidor?

Primordialmente, existem dois principais pontos de contato: – a) o primeiro deles, centra-se no contrato (remunerado) existente entre o provedor de internet e o usuário de seus serviços, naturalmente uma relação de consumo, onde devem ser assegurados padrões de qualidade em sentido pleno; – b) o segundo deles, é que nada acontece de graça no mercado, logo, é principalmente através das relações de consumo que ocorrem pelo meio virtual que, direta ou indiretamente, se sustenta e remunera todo este contexto. Está na somatória das relações de consumo realizadas ou estimuladas por meio virtual, a fonte decisiva e viabilizadora para que a internet continue a existir, de modo que a ligação com o Direito do Consumidor é evidente. E para a proteção da sociedade como um todo, em especial das pessoas enquanto consumidoras, não se pode conceber que um meio sustentado, direta ou indiretamente, devido a bilhões de relações de consumo que nele se realizam ou são incentivados, propicie abertura de espaço para atividades desonestas ou até criminosas.

Uma das razões da propagação da internet adveio do fato de que a troca de dados acontece normalmente de forma rápida e clara, em ambiente virtual que não tem proprietário ou patrão, sendo que pela forma quase anônima de comunicação, ela apresenta imensas dificuldades para que alguém consiga controlá-lo com exclusividade, seja para interesses empresariais, seja para qualquer outra forma de poder ou dominação. O controle é difícil não só na esfera dos provedores ou daqueles que mantém sítios, mas mesmo no ambiente das famílias para disciplinar o acesso e uso que é feito dela.

Desde a criação da internet para fins militares na metade do século passado, a evolução tecnológica serviu para demonstrar que a inclusão digital das pessoas é de interesse público, vez que importante instrumento para ajudar a inseri-las verdadeiramente na sociedade atual. Dentre as características positivas, ela é útil para incrementar conhecimento, difundir cultura, propiciar vantagens decorrentes da comunicação célere e a baixo custo. Todavia, independente do respeito aos princípios da livre iniciativa e da privacidade, a internet não pode ser um território sem lei, de não-direito, com provedores e usuários dotados de salvo-conduto que os torne imunes a qualquer responsabilidade.

Em palestra proferida no IX Congresso de Direito do Consumidor recentemente realizado em Brasília, o eminente Professor Doutor Mário Frota alertou com muita propriedade para os perigos quanto a publicidades e práticas comerciais não-éticas que alcançam crianças e adolescentes, colhendo delas, dados que não convém serem repassados para terceiros e incentivando ao consumo não autorizado pelos pais (e quiçá despropositado para os padrões da família). E com maior gravidade, ainda, a inserção de conteúdos imorais e participação em outros tipos de práticas desvirtuadas através de sites de relacionamento. Nesta conjuntura, portanto, insere-se como fundamental o papel dos provedores de internet e sua responsabilidade quanto ao que é veiculado nesse meio virtual. O provedor é fornecedor integrante da cadeia de fornecimento em relações de consumo remuneradas (direta ou indiretamente) e não pode manter-se em regime de total irresponsabilidade. Trata-se, então, de dever que está inserido nessas relações de consumo mantidas pelos provedores de internet com os usuários de seus serviços e contando com a participação de terceiros que nela operam. Por óbvio, não se deve suprimir o direito à privacidade e ao sigilo para aqueles que fazem uso normal da internet, e nem mesmo, aderir a qualquer censura despropositada, capaz de restringir a hiperatividade e a agilidade que são duas das principais qualidades dela. Mas sim da conscientização de que não se pode legitimar a internet como ferramenta para ilegalidades, principalmente afetando a crianças, adolescentes, idosos e outros tipos de vulneráveis ou hipossuficientes. Há um dever coletivo de vigilância para os pais e provedores, recomendando-se que instalem filtros para bloqueio de acesso. E sempre que constatada prática ilícita por meio da internet, que sejam impostas para o provedor, tanto a retirada do material, quanto à quebra do sigilo para identificação dos culpados. A atribuição dessa responsabilidade para os provedores, portanto, é a única forma de moralizar-se e dar fim social para esse meio de comunicação de tamanha importância em nossos tempos.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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