Oscar Ivan Prux

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Súmulas existem no sentido de apontar direcionamentos para as decisões judiciais sobre casos idênticos. Os Juízes possuem liberdade de julgamento segundo sua consciência, mas em caso de recurso, são as Instâncias Superiores que realmente definem o resultado de uma lide versada em processo. Se meros enunciados já constituem em referencial valioso sobre os possíveis posicionamentos judiciais, é indubitável a relevância naturalmente creditada às súmulas, independente de serem vinculantes ou não.

Pois bem, em abril próximo passado, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça aprovou e fez publicar duas novas súmulas. A primeira delas de número 380, tem o seguinte teor: “A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor”. Ela consolida o entendimento de que a regra geral nos contratos é o pacta sunt servanda. Ou seja, em nome da segurança nos negócios jurídicos, em princípio, as cláusulas contratuais são válidas e devem ser cumpridas, sendo exceção obter-se a revisão dos contratos para sua modificação ou possibilidade de não-cumprimento. Por evidente, a simples propositura de uma ação não significa automática consideração de que estaria obstada a mora do contratante efetivamente devedor; o que não impede que o Magistrado, analisando as características e circunstâncias específicas do caso concreto, não possa determinar medidas liminares ou mesmo de antecipação da tutela, incluindo as que possam relacionar-se com a mora. A propositura de uma ação com isolada alegação de direito da parte não deve, ipso facto, representar afastamento automático dos direitos da outra (parte), sendo que se centrará na análise do mérito, a definição de quem tem ao seu lado o bom direito. Aliás, sempre se discutiu se a propositura de ação revisional deveria impedir ou não a inscrição do nome do devedor em banco de dados de maus pagadores. É de se acreditar, entretanto, que esse debate talvez nem sequer merecesse maior polêmica, bastando que a inscrição viesse acompanhada da informação de que sobre o crédito objeto da inscrição, pende uma ação revisional. Afinal, na realidade de mercado, esta circunstância não mais costuma inviabilizar a dação de crédito, em especial, envolvendo a indústria e o comércio, onde os empresários conhecem e também sofrem com os abusos praticados pelos bancos. Essa súmula, portanto, apenas inscreve entendimento que se encontra pacificado no Judiciário, inclusive contando com aceitação nas esferas esclarecidas da população.

De outro modo, a Súmula n.º 381, também editada na oportunidade, apresenta redação bastante polêmica ao dizer: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer de ofício, da abusividade das cláusulas”. A intenção foi deixar explícito que, na discussão sobre alegado abuso em contrato bancário, este deve ser demonstrado cabalmente pela parte, obstando-se que o Magistrado reconheça por iniciativa própria a irregularidade.

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Tem-se, portanto, súmula que merece uma melhor análise que não se pode restringir a esfera da seara contratual pertinente ao direito privado como um todo, ou seja, que considere todos os contratos iguais. Se seus pressupostos são adequados nos contratos entre agentes econômicos de mesma força (não dotados de vulnerabilidade ou hipossuficiência), o mesmo não se pode dizer havendo situação caracterizada como relação de consumo. Tratando-se de matéria cujo código específico (CDC) tem origem constitucional e prescreve expressamente ser de ordem pública e interesse social, não há como uma súmula ter a força de vedar uma atuação ex-officio do Juiz que dirige o processo. Independente do quantum do direito envolvido ser disponível para a parte (que tem liberdade para aceitar acordo por qualquer valor), não se pode exigir que, como regra geral, o Julgador precise impositivamente de pedido da parte prejudicada, para poder assegurar o direito do consumidor. Aliás, essa concepção postada na súmula é lamentável ao pressupor que os Juízes sejam leigos em matéria econômica, bem como, que talvez movidos por elementos ideológicos sejam capazes de praticar, por iniciativa própria, intervenções despropositadas. Independente de tratar-se ou não de lide envolvendo contrato bancário ou de outro tipo, desde que caracterizando relação de consumo, naturalmente cautela e bom embasamento são recomendados em qualquer intervenção ex-officio. Todavia, o próprio CDC diz que o Juiz tem o poder de determinar as medidas que considerar eficientes no sentido de assegurar para o consumidor, o respeito aos direitos previstos no mencionado Código. Assim, se a referida súmula estampa entendimento adequado para os contratos entre fornecedores em geral, o mesmo não acontece em específico com referência aos contratos caracterizados como relações de consumo. Vale ressaltar, inclusive, que não são poucas as adesões no mundo jurídico apoiando haver controle preventivo das cláusulas abusivas nos contratos de adesão como são os formulados pelos bancos. Assim, repita-se: tratando-se de relação de consumo que envolve matéria de ordem pública e interesse social, ao Julgador é sempre facultado, de ofício, reconhecer a abusividade de cláusula contratual, pois o previsto no Código de Defesa do Consumidor e na Constituição Federal prevalece indubitavelmente. Outro detalhe: independente de haver um banco como parte, confiar no bom senso e no preparo intelectual e profissional do Magistrado em sua atuação, é o mínimo que se espera para haver segurança no sistema, algo que além de respeitar a lei, é substancial para a proteção dos direitos dos consumidores, notadamente vulneráveis frente às iniciativas das grandes instituições bancárias.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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