Desde que o ser humano conseguiu um excedente econômico (produziu mais do que necessitava) e o transferiu a outro ser humano através de um fornecimento oneroso, manifestou-se o consumo para destinatário final. Desde antes da era cristã, surgiram normas que mesmo sem se referir à relação de consumo, já continham disposições destinadas a regrar estas situações, a exemplo da Legislação Mosaica, do Código de Manu e do Código de Hamurábi. O transcurso de milênios serviu para que surgissem e se sedimentassem juridicamente as noções de relação de consumo, consumidor, fornecedor e outras mais relacionadas ao mercado de consumo, fato impulsionado a partir célebre discurso do Presidente John F. Kennedy (1962), manifestando que os consumidores devem ser tratados como uma categoria peculiar que merece proteção especial. Em nosso país, a Constituição de 1988 trouxe a primeira manifestação legislativa de maior relevância para instituir o que se denomina sistema de proteção ao consumidor, no qual a Lei 8.078/90 (CDC) ocupa a posição de norma principiológica, a estabelecer as diretrizes fundamentais para o regramento das relações de consumo, conforme o dizer exemplar de Nelson Nery Júnior (ou de norma de sobredireito, conforme doutrina Sérgio Cavalieri Filho).

continua após a publicidade

Estamos no Século XXI e, recentemente, comemoramos o Dia do Consumidor, bem como, o décimo sexto ano de vigência do CDC. Estes últimos anos serviram para o reconhecimento de que o bem-estar social previsto na Constituição Federal, só pode ser alcançado se houver o indispensável cumprimento dos direitos dos consumidores. Também foi um período para que a maioria dos fornecedores inserisse e assimilasse tecnologias mais avançadas, melhorando a qualidade dos produtos e serviços dispostos para a população. Problemas persistem, seja quanto à qualidade de certos fornecimentos, seja quanto à notória falta de acesso ao consumo que afeta aos mais carentes, porém avançou-se muito. Neste contexto, a comemoração do Dia do Consumidor, portanto, tem simbolizado um momento de conscientização e afirmação dos direitos dos consumidores e das normas que os protegem. Vale que assim seja, todavia, os novos tempos já demandam superar-se este patamar tão básico e elementar. A batalha pelo respeito aos direitos dos consumidores será eterna, porém é chegado o momento de incrementar-se o sentido de que o consumo é uma das forças vivas que influenciam decisivamente a convivência em sociedade.

O consumidor do Século XXI precisa ir além e ser agente de transformação social. Os consumidores-cidadãos, conscientes de suas potencialidades, podem re-direcionar a forma de viver da humanidade. Enquanto, internacionalmente, se brada pela necessidade de todos os países façam esforços para evitar as conseqüências catastróficas do efeito estufa, de outro lado, ouvem-se os alardes do mercado financeiro (bolsas em queda) a respeito da possibilidade de crise por conta da diminuição do consumo nos mercados da China e, principalmente dos Estados Unidos. De um lado, a inevitável constatação de que não dá mais para continuar a poluir como agora e, de outro, o sistema capitalista emitindo alarmes de que se o consumo não continuar a aumentar, o mundo entrará em crise sob o ponto de vista econômico-financeiro.

Neste contexto, é que o consumidor esclarecido deve ser o mais importante agente ativo para ajudar a operar esta transformação radical e necessária. Mesmo que remotamente, o ato de consumo comanda a produção e circulação de produtos e serviços (para destinatário final). No aspecto do consumo sustentável, quando o consumidor consciente emite sinais de que só adquirirá produtos e serviços ecologicamente corretos (não-provocadores de poluição) e que prestigiará somente as empresas que, seguindo esta diretriz, atuam com responsabilidade social, impele os fornecedores para práticas mais corretas e construtivas para o presente e futuro da humanidade. Neste sentido, inclusive, é fundamental que o consumidor contenha seu eventual ímpeto consumista e em nome de um mundo melhor, esteja disposto a privar-se de alguns produtos e serviços quando a produção, comercialização ou consumo deles envolva práticas ou conseqüências não-recomendáveis (poluição, utilização de mão-de-obra infantil ou escrava na produção, etc.). Já existem pessoas e comunidades acreditando que a ?nave terra? não suporta mais tanto consumo. Contrariando a ótica capitalista de que é preciso produzir e consumir cada vez mais para haver progresso (com as empresas buscando de todas as formas os ganhos de escala), estas pessoas optam por consumir o mínimo necessário e, ainda, fazendo escolhas contributivas para o consumo sustentável.

continua após a publicidade

Assim, embora vivamos em uma sociedade onde quase tudo é instituído para funcionar conforme os ditames capitalistas, a compatibilização entre o progresso econômico e a viabilidade de manter-se a vida na terra em condições aceitáveis para a nossa e as futuras gerações, tem no controle e no bom direcionamento destas práticas relacionadas ao consumo, uma ferramenta muito mais eficiente do que toda a regulação estabelecida para o capital. O progresso econômico não é, necessariamente, um inimigo da viabilidade da vida. Entretanto, são necessários estímulos formais para que os agentes econômicos sejam impelidos ou compelidos a terem práticas mais construtivas, e isto inclui a participação consciente dos consumidores.

O consumidor-cidadão deve, portanto, estar ciente do poder e da responsabilidade que ostenta em cada escolha que faz quando vai adquirir ou consumir um produto ou serviço. Todos devemos sentir que como consumidores podemos assumir o papel de mais importante agente transformador da maneira de viver de nossa sociedade, alternativa única de manutenção da vida em boas condições em nosso planeta.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

continua após a publicidade