O Dia da Criança como espécie de dia do consumo

Oscar Ivan Prux

O modelo capitalista, caracterizado pelo fornecimento e consumo de massa, incentiva a criação e a comemoração de datas de todos os tipos. Na sociedade da espetaculização tudo deve ser transformado em “show” e os intentos vão além de homenagear e festejar, sempre com o objetivo maior de incrementar ao máximo as vendas do comércio. E o Dia da Criança é um deles, caracterizado pelos presentes que pais (e até avós) dão aos menores. É nesse momento que deve atuar a proteção pré-contratual e contratual previstas no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, bem como, convém que sejam inseridos nessa seara princípios e valores éticos fundamentais. Ocorre que o Dia da Criança deixou de ser um momento voltado para o que ela mais precisa, que é da atenção do adulto, inclusive levando em conta a formação e a educação dela, resumindo-se apenas em oportunidade de agradar com bens materiais e fazer vontades, sem aquilatar se esse contexto lhe faz bem ou mal. Há pais que dão presentes caros até para se justificar – como uma espécie de forma de expiação – ante sua falta de atenção para seus filhos e outros que, com o presente, esperam uma manifestação da criança que venha satisfazer a carência afetiva que sentem. E já não são raros os pais que presenteiam com bens inadequados. Por exemplo: de celulares para crianças (em idade na qual esse produto não é recomendado), até aqueles que, como forma de sobressair pelo status, presenteiam com veículos para quem nem mesmo tem direito a dirigir. O despropósito é tanto que recentemente vi em uma revista dedicada a assuntos de proteção a interesses dos consumidores, uma nota (que mais parecia uma publicidade) sobre um cinema chamado CineMaterna cujas sessões acontecem em salas especialmente adaptadas para receber mães levando seus bebês de até 18 meses. A promessa é de haver som reduzido, trocador na sala, ar condicionado mais suave e ambiente levemento iluminado. Pois bem, a pergunta que faltou ser respondida é se cinema convém como um local para levar bebês de até um ano e meio (o que nesse ambiente essas crianças pequenas irão aproveitar de bom para sua formação ou satisfação?) e se uma mãe que tanto quer assistir a um filme não pode escolher uma outra alternativa (deixar o bebê com outra pessoa, ver o filme em DVD, etc.) ou então, controlar por uns meses os seus instintos hedonisticamente consumistas. Os hábitos modernos conduziram para que as crianças recebessem dos pais a liberdade para exercer diretamente a aquisição de produtos e serviços que lhes interessam. Mesmo quando praticados por menores esses contratos de consumo são tidos como naturais e é muito raro haver anulação de algum por conta de que praticado por agente ainda não juridicamente capaz. Esse contexto fez surgir uma geração de menores caracterizadamente voluntariosos e eles fazem questão de tentar fazer valer suas opiniões na questão do consumo, sendo que, diante da condescendência dos pais, as pesquisas comprovam que chegam a influenciar aproximadamente 1/3 das escolhas da família, mesmo que nem sempre isso seja apropriado para a idade deles. Chegou-se ao ponto em que até as montadoras de automóveis, por seus setores de marketing, estão levando em conta a opinião dos filhos nos lançamentos e comercialização de seus veículos. E não é mera coincidência que cada vez mais as peças publicitárias incluem crianças, bem como, que as informações prestadas são em linguagem acessivel para incentivar que aconteça o lobby infantil junto aos pais.

Trata-se de uma realidade conjuntural gerada mediante intensiva publicidade que incita ao consumo e explora o poder que os filhos menores exercem sobre os pais.

Esse contexto pode parecer natural diante do princípio da livre iniciativa previsto no artigo 170, da Constituição Federal, que naturalmente merece ser respeitado. Entretanto, essas formas de impelir para o consumo precisam ser contidas por limites que resguardem a proteção da criança, o que encontra embasamento nos princípios fundamentais (gerais) da nossa Carta Magna, dentre eles, a proteção da dignidade humana.

Em primeiro lugar, não deveria ser permitida qualquer publicidade dirigida para menores, tal como já é proibido em países como a Suécia. As decisões de consumo devem ser dos pais, que precisam assumir suas responsabilidades (do assistir televisão até os consumos mais complexos). Em segundo lugar, deve ser vedada a utilização de personagens infantis em produtos para crianças, bem como, ser sanada a questão judicial que está impedindo de entrar em vigor a norma que impõe avisos nas embalagens para produtos que em quantidades elevadas podem prejudicar à saúde dos menores. Em terceiro lugar, quando envolver promoção de produtos ou serviços destinados para crianças, proibir-se terminantemente a utilização (direta ou indireta) de neuromarketing. Em quarto lugar, serem fixadas restrições para determinados consumos por parte de menores (de tornar mais rígidas a proibição e as punições relativas à venda de bebidas e tabaco, até a limitação de horas de internet em Lan House).

Todo dia deve ser “Dia da Criança”, desde que para sua comemoração, principalmente os pais e aqueles que gostam delas, compreendam que independente da data, essa forma de viver com liberdade consumista não constrói para a formação e felicidade desses menores. É fundamental a conscientização no sentido de que, “da qualidade das relações de consumo que as crianças realizam, depende a qualidade da vida delas (e até quantos anos a mais ou a menos conseguirão viver)”.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em teoria econômica, mestre e doutor em direito. Coordenador do curso de direito da Universidade Norte do Paraná Unopar.

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