O conceito de serviço no Código de Defesa do Consumidor

Os serviços, componentes do maior setor da atividade econômica nacional, englobam uma gama quase infindável de formas de prestação de atividade, sendo que, diariamente, surgem alguns que antes não imaginávamos. Tal fato decorre do imenso avanço da tecnologia, do incremento da sociedade de consumo como estilo de vida e mesmo da crise proporcionada pelo desemprego.

Diante dessa conjuntura, formular conceitos relacionados a ?serviços? ou a ?prestação de serviços?, se tornou árdua tarefa, levando em conta o numeroso elenco de tipos existentes, bem como, a complexidade das características que eles apresentam. Objetivamente, a noção de serviço é realmente muito vaga, podendo abranger inúmeras funções com conteúdos notoriamente diferenciados e nem sempre muito precisos, incluindo-se atividades de ordem material (como transporte, reparação e conserto de produtos, hotelaria, etc.), atividades financeiras (como seguros, fornecimento de crédito, etc) e atividades intelectuais (como aconselhamentos jurídicos, consultas médicas, etc.). Existem situações em que é difícil visualizar se o que é prestado, primordialmente, representa um produto, uma atividade ou uma terceira forma de fornecimento (exemplo: a locação de automóveis).

 A diversidade ressalta mais ainda quando, de forma até peculiar, a atividade que constitui o serviço, pode, em certas circunstâncias, restringir-se apenas a feitura do contrato e ao pagamento do preço, não se podendo notar nenhum outro labor durante a contratação, como no caso dos seguros ou planos privados de assistência à saúde, nas situações em que o consumidor não sofre sinistro ou doença durante o período de vigência do contrato. Deste modo, embora em certos casos possam ser muito úteis concepções como a que distingue entre ?prestar produto?, ?prestar labor? e ?prestar fato?, entendemos que intentos de simplificação podem não corresponder com a realidade factual e mesmo não atender objetivos de definição, de modo que somos por afastar técnicas como a de conceituar pela negação, afirmando que a prestação de serviço ocorre quando o fornecido não é um produto.

?Serviço? é palavra tradicional na nomenclatura jurídica, mas a expressão ?prestação de serviço? só foi realmente adotada majoritariamente pela doutrina depois da entrada em vigor da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei n.º 5.452/43), porque se fez evidente e até necessária uma nítida distinção entre o trabalho assalariado (com subordinação) e o serviço praticado em cumprimento do contrato civil ou comercial (sem subordinação, mas com vinculação às obrigações contratuais).

De forma abrangente, a Lei 8.078/90, em seu art. 3.º, § 2.º prevê que: ?Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista?. Embora a definição legal pareça encerrar o assunto, em especial por citar a necessidade de remuneração, mas excluir as relações de caráter trabalhista, na verdade transpô-la para a prática não é tão simples. O fato é que se constata uma quase inexistência do que podemos chamar de serviços ?puros?, ou seja, aqueles compostos apenas pelo labor de seu prestador. Na prática, a maior parte dos serviços que são prestados no mercado costuma ser misto, incluindo também algum produto que lhe integra a composição. Vários são os exemplos, como quando advogado que é profissional liberal peticiona em juízo e, naturalmente, insere no conteúdo e valor de sua prestação de serviços, também o fornecimento de produtos como a folha de papel e a tinta de impressão, ou quando o dentista obtura o dente e inclui em seu serviço também o amálgama e o custo dos instrumentos que utiliza. Estas circunstâncias exemplificadas, entretanto, não desnaturam a prestação de serviços em sua gênese.

Observado o critério da preponderância para o consumidor, vemos a imensa predominância do trabalho profissional do prestador, frente ao produto incluído no serviço (o produto tem caráter nitidamente secundário nesse contexto) e os instrumentos utilizados, sendo estes, apenas elementos viabilizadores para que o serviço venha acontecer. Portanto, várias são as situações (tipo as que o serviço tem participação subsidiária no fornecimento ou aquelas em que fica difícil distinguir qual o elemento mais importante). A diversidade, entretanto, não deve impedir que, no âmbito do Direito do Consumidor, se encontre conceituação que indo além do previsto no CDC seja disposta a caracterizar e delimitar de forma mais detalhada o que seja serviço. Assim, considerando as relações de consumo, tem-se que ?serviço? deve ser conceituado como ?qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, e consistente em um fazer ou em dispor para o consumidor, presente ou remotamente, direitos de uso ou mesmo um asseguramento de fazer futuro?.

Neste contexto, podem ser enquadrados: – o labor (esforço físico); – a utilização da habilidade humana; – as práticas de mercado (pessoais ou de empresas) para realizar fornecimentos destinados a satisfação das necessidades dos consumidores quando das contratações respectivas; – as disponibilizações para o consumidor de direitos de uso ou desfrute de algum bem (exemplo: locação de veículo, assistir um espetáculo teatral, etc.); – e, também, as atividades de assegurar um fazer futuro (exemplo: os seguros prevendo assunção de ônus em caso de acidente ou doença do consumidor, etc.).

Desta forma, mesmo diante da diversidade de espécies, tem-se conceituação apta a fornecer a identidade jurídica do que seja ?serviço?, conceito amplo e complexo que a ciência do Direito não pode se omitir em formular.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.