O conceito de consumidor

Quando em 1962, o Presidente norte-americano John Kennedy, em seu célebre discurso na Organização das Nações Unidas proclamou que os consumidores constituem-se em um grupo econômico importante que merece tratamento diferenciado, desencadeou-se mundialmente o movimento consumerista. Desde então, conceituar consumidor adquiriu relevância, principalmente devido a sua vulnerabilidade que demanda um tratamento especial da legislação.

Há quem defenda que ?consumidor? deve ser conceituado levando-se em conta o ato de consumo, desconsiderando-se as qualidades daqueles que o praticam e a finalidade pela qual o praticam. Para Maria Antonieta Zanardo, na visão desta corrente denominada maximalista (que se contrapõe a corrente minimalista), o importante é apenas a destruição do bem, com perda de seu valor econômico e a retirada dele do mercado (supressão dele do ciclo econômico), em decorrência do atingimento de sua destinação em si, não importando seja ela, uma transformação, uma utilidade como insumo, uma reciclagem, ou mesmo, o simples consumo que elimina o bem. Se adotada esta concepção, até a compra de insumos por uma empresa seria suficiente para enquadrá-la como consumidora. Entretanto, a legislação brasileira seguiu por outros caminhos. Considerou aspectos sociológicos, mas deteve-se em conjugar a concepção econômica e jurídica, de modo que conceituou consumidor dizendo que é: ?toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final? (caput, do art. 2.º, da Lei n.º 8.078/90). O conceito, então, assenta-se primordialmente no elemento teleológico, no caso a condição de destinatário final (não-intermédio), configurada no objetivo da aquisição ou da utilização. Existente a destinação final, esse consumidor por excelência (pessoa física ou jurídica), pode adquirir para si ou para ser fruído por outra pessoa, como é comum acontecer nas contratações de planos privados de assistência à saúde, artigos que as mães compram para seus bebês, seguros, etc. Note-se, então, que a aquisição para circulação, repasse ou para incrementar a atividade de fornecer que seja praticada pelo adquirente, não o afasta da condição de consumidor.

Estabelecido esses parâmetros e nominados os consumidores genuínos (adquirente e utente), importante destacar que o CDC também instituiu consumidores equiparados por ficção legal, estabelecendo os seguintes tipos de consumidores:

1) o consumidor standard, pessoa física ou jurídica que seja adquirente ou utente do produto ou serviço, desde que na condição de destinatário final (caput do art. 2.º);

2) os consumidores por equiparação legal que podem ser: a) a coletividade de pessoas que tenha intervindo na relação de consumo, igualmente equiparada a consumidor, mesmo que haja indeterminação de seus componentes (§ único, do art. 2.º, CDC); b) o bystander, ou seja, o consumidor vítima do evento, no caso quem não fazendo parte da contratação, tenha sido injustamente atingido pela relação de consumo malsucedida (art. 17, do CDC); c) e, quem seja exposto a práticas de mercado ou, mais precisamente, aquele consumidor potencial, que mesmo sem estar ostentando a condição de adquirente ou utente do produto ou serviço, é considerado equiparado a tal, tendo em vista estar exposto a alguma prática ilícita do fornecedor nos atos que esse último exerce no mercado dentro do contexto de aproximação, tratativas, praxes e imposições no processo de fornecimento de bens e serviços (art. 29, do CDC).

Esta sistemática adotada pelo Código tem o objetivo de: – proteger a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que tenha envolvimento/atingimento nas relações de consumo, evitando as dificuldades processuais que essas pessoas tinham para ocupar o pólo ativo das ações; – amparar aqueles que mesmo não sendo contratantes, acabam sofrendo os efeitos prejudiciais das relações de consumo quando malsucedidas, ou seja, aquelas vítimas que são atingidas lesivamente quando de acidentes de consumo; – e proteger também, aqueles que mesmo que em nível apenas potencial, estejam expostos a qualquer prática de mercado considerada desrespeitadora dos direitos dos consumidores. Com esta fórmula, o CDC superou para essas pessoas, aquele prejudicial status de terceiro que lhes era tributado pelo Código Civil em razão de não serem contratantes, e isso lhes foi sobejamente benéfico. Note-se que as categorias são justificadamente amplas, para que, não se chegue ao absurdo de, pelo mesmo fato e com danos assemelhados, termos vítimas – consumidores adquirentes ou utentes e outras pessoas atingidas pela relação de consumo malsucedida – tendo sua reparação sendo regrada por códigos diferentes, no caso o CDC e o Código Civil. Portanto, aqueles que antes eram considerados terceiros porque não haviam contratado, receberam o status de consumidores equiparados, com idêntica proteção do CDC.

Considerando a dificuldade de identificar um exato conceito de consumidor, cujo delineamento seja eficaz para ajudar a dirimir com precisão quando acontece ou não uma relação de consumo, algumas legislações optaram pela alternativa negativa. Desta forma, elas prescrevem que não é consumidor quem adquire produto ou serviço para integrá-los em seus processos de produção e/ou fornecimento, de modo a incrementar sua atividade de provedor/fornecedor no mercado. E, muitas, ainda enumeram um elenco de atividades excluídas da aplicação das normas de proteção aos consumidores.

Em conclusão, reitere-se que nossa legislação pátria ao adotar uma concepção positiva e acentuar o aspecto da utilidade final do bem para identificar o consumidor, aponta o caminho para saber-se quando existe relação de consumo (estrita) e se deve aplicar a legislação consumerista.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.