Não há crise econômica maior do que esta que sempre tivemos: a carência alimentar para milhões de pessoas

Oscar Ivan Prux

A desaceleração do consumo está a apavorar o mundo. Então, se a crise reside no consumo, através do consumo deve se resolver!

Ao invés da catástrofe que alardeiam, vislumbre-se a existência de uma histórica oportunidade para reconstruir-se o sistema econômico em bases mais humanas e sustentáveis. Vamos explicar:

Conforme é de conhecimento geral, desde que parte do sistema bancário dos Estados Unidos sofreu enorme derrocada devido a “quebra” de vários de seus bancos, vivencia-se uma crise alarmante. Mesmo com a intervenção de governos da União Européia, dos Estados Unidos, do Japão e da maioria dos demais países envolvidos, esse desarranjo econômico não cessou. Apesar desse socorro e da tácita “estatização” de muitas instituições financeiras, forma encontrada para dar-lhes sustentabilidade, ainda assim, a falta de liquidez e, principalmente, de crédito e investimentos, prossegue produzindo estragos. As bolsas caíram, empresas perderam e seguem perdendo valor, empregos começam a desaparecer e minguam os investimentos. E como a globalização integrou os mercados, os percalços se espalham gravosamente na maioria dos países. O Brasil, com baixa dívida externa, elevado volume de reservas e crescimento que tem se baseado mais no aumento da demanda interna do que em exportações, está a sentir menos esse impacto, mas nenhum país ficará totalmente imune. Desde o acordo de Bretton Woods firmado ao fim da 2.ª Guerra Mundial, o sistema econômico se estruturou buscando a estabilidade monetária através da adoção do padrão ouro e do dólar como principal moeda representativa de reserva de valor. A partir de então, com um sistema sustentado na alta produtividade dos países desenvolvidos, no permanente aumento da quantidade de produção e, em especial, contando com o modelo de vida notadamente consumista da população norte-americana, o sistema vinha funcionando com relativa estabilidade. Entretanto, com os Estados Unidos entrando em recessão e seu povo diminuindo seus níveis habituais de consumo, não há dúvida que o sistema desestruturou-se. Em meio a essa turbulência, retomaram-se as idéias de John Maynard Keynes, economista inglês já falecido, que diante de uma recessão e de falta de confiança dos agentes econômicos, preconizou que a solução deve provir de menos liberalismo e maior intervenção do Estado na economia. Para ele, quando os agentes econômicos optam por entesourar seus recursos (simplesmente guardar, sem consumir ou investir), cabe ao Estado com seus gastos, ser o grande elemento impulsionador da retomada do ritmo normal da atividade econômica. Assim, a receita das autoridades e dos especialistas tem sido amparar instituições financeiras, aumentar a liquidez no mercado e irrigar o crédito para as empresas, em especial as vitais para os setores importantes e aquelas em que, independendo de melhor qualificação do candidato, são grandes empregadoras, a exemplo da construção civil, da indústria automobilística, etc. O momento é tão complexo e complicado que salvamentos e fusões de bancos têm sido medidas saudadas como excelentes formas de enfrentar a crise, ignorando-se as justificadas preocupações quanto aos efeitos que essa concentração de mercado irá trazer para os consumidores, tão sacrificados com as cobranças de juros altíssimos, tarifas elevadas, débitos indevidos e freqüente necessidade de recorrer à Justiça para conseguir seus direitos.

Pois bem, é neste momento no qual tantos antevém um caos, que emerge a oportunidade propícia para uma reforma realmente construtiva. Não deve haver necessidade de derramamento de sangue com uma ditadura ou uma revolução socialista/comunista para modificar-se o modo de viver de nossa sociedade. Basta usar a razão que distingue o ser humano dos outros animais. Observe-se que milhões de pessoas não possuem os bens mais elementares e essenciais para a vida com um mínimo de dignidade, embora isso seja princípio insculpido expressa ou tacitamente em quase todas as Constituições. Veja-se quanto é inaceitável à nossa condição humana, em pleno Século XXI, ainda existir carência de acesso ao consumo adequado de alimentos. Os seres humanos conseguiram construir uma ciência que os levou a alcançar até outros pontos do universo, assim como, permitiu criar tecnologia para tantos objetos de luxo, porém, não houve capacidade ou vontade suficiente para erradicar completa e definitivamente a desnutrição entre os mais pobres. Então, se é importante injetar capitais para que o sistema volte a se equilibrar, que se faça isso de maneira inteligente, mostrando a racionalidade e a solidariedade que se espera de seres humanos. Abandone-se o american way life (o consumista modo de viver americano), pois nem o sistema econômico, nem a natureza suportam seguir assim. Não se ajude empresas ligadas à produção de artigos de luxo ou montadoras que produzem veículos gastadores e poluentes. Primordialmente, concentrem-se as ações no que pode garantir para as pessoas, o acesso aos bens essenciais para a vida com padrão compatível à dignidade humana.

Incentivem-se atividades que podem erradicar a pobreza extrema, caracterizada pela falta de alimentação, saúde, habitação, etc. Financiem-se mais pesquisas e geração de empregos nessas áreas. Bancos incrementam o desenvolvimento, mas qualquer deles pode quebrar que o mundo não acabará, ao passo que a vida de um ser humano não pode jamais estar condenada a se extinguir por desnutrição. O consumismo agride a sustentabilidade do planeta e gera hábitos que corrompem a moral humana, enquanto o acesso ao consumo essencial (com destaque para a alimentação), está na raiz do próprio direito a vida, o maior de todos os valores.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.