Oscar Ivan Prux
Sob a ótica do Direito do Consumidor, produto defeituoso é aquele com capacidade de provocar danos à saúde ou segurança do consumidor. Em qualquer produto, tal como prescreve o artigo 12, da Lei n.º 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), o projeto, a fabricação/construção, a montagem, a formulação, a manipulação, a apresentação, o acondicionamento e a informação devem estar num contexto apto a proporcionar segurança para os consumidores (no sentido mais amplo da palavra, incluindo a saúde).
Ora, todo esse contexto legal quando transposto para aspectos da vida cotidiana, mostra que a maior parte dos leitores de MP3 e MP4 (e até de certos aparelhos celulares) vendidos no país, não cumprem o previsto na legislação, no tocante a proteção da saúde auricular dos consumidores. Ou seja, são defeituosos (no sentido técnico-jurídico) e devem ser proibidos de venda no mercado. Note-se que os leitores de música, são dos produtos mais utilizados atualmente, principalmente pelos mais jovens, que sempre procuram ouvir som específico para seu gosto pessoal. A questão desta defeituosidade está centrada no volume para o qual estão aptos a funcionar esses aparelhos eletrônicos, principalmente em se tratando de produto utilizado mais comumente com “fones de ouvido” que sempre concentram e tornam mais alto o volume. Segundo especialistas mais rigorosos, sons acima de 75 decibéis causam danos aos que os escutam de forma freqüente, proporcionando, no longo prazo, perda de audição e outras sequelas. A União Européia, mesmo sempre ciosa da proteção da saúde dos consumidores, foi até mais condescendente e adotou a mesma fórmula utilizada para os trabalhadores. Ou seja, acolheu a concepção de que os sons são adequados somente até 80 decibéis e por no máximo até 40 horas semanais (não consecutivas).
Pesquisas mostram que sons de 89 decibéis fazem mal a partir de 5 horas de exposição e que aqueles que, diariamente, escutam música em alto volume, em menos de 05 anos podem perder a capacidade auditiva (e estes são por volta de 10% da população, conforme a região que se pesquise). Por esses motivos, órgãos e organizações que atuam na segurança dos produtos para consumidores emitiram recomendações para as indústrias limitarem a capacidade de volume desses leitores de música e já estão em andamento procedimentos destinados a proibição de produtos que não respeitem esses patamares seguros para o consumidor. Ora, no Brasil, a maioria dos leitores de MP3 e MP4, atinge sons que alcançam ou até superam a 120 decibéis, podendo propiciar um verdadeiro crime contra a saúde dos consumidores que assim utilizam esses aparelhos. Outro detalhe: esse mercado é impregnado de produtos vindos do exterior e outros “pirateados” ou fabricados por empresas sem melhor controle de qualidade, o que pode indicar a possibilidade de aparelhos com volume ainda mais elevado. Todo esse contexto, naturalmente indica para a necessidade de ser editada norma proibindo para o mercado brasileiro, a comercialização desses produtos quando sua capacidade de volume supere a 80 decibéis.
Essa conclusão que parece óbvia, contudo, encontra resistências. A maior parte delas manifestadas por aqueles que têm interesse nos lucros desse mercado fabuloso, o que apenas confirma a habitual ganância econômico-financeira, combinada com ausência de valores éticos nos negócios. Ou seja, os que ganham com isso não dão importância se a saúde do consumidor está sendo afetada ou não. E, de outra parte, marcando essa época de irracionalidade no consumo, é exatamente daqueles que utilizam mal esses aparelhos que partem opiniões contrárias a essa proibição. Para esses últimos, o consumidor deve ter a liberdade de escutar o que quiser e no volume que desejar. Ora, para as empresas fornecedoras o direito é explícito e claro, tal como diz expressamente o artigo 8.º, do CDC: “Os produtos colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito”. Ou seja, considerando que o CDC é de ordem pública e interesse social, não se trata de uma questão inserta na esfera de liberdade e arbítrio empresarial. Note-se que riscos possíveis não se enquadram como normais, inclusive por conta de que nessa área, os fornecedores não cumprem seu dever de proporcionar educação para o consumo, conscientizando aos consumidores sobre os riscos que esses aparelhos proporcionam. Já na esfera individual, é um contra-senso afirmar-se que o consumidor tem direito a usar os produtos como quiser, mesmo ao custo de ficar surdo. Convém salientar que a perda da audição por parte da população não se restringe a um problema particular, mas é saúde pública (e que gera gastos públicos), razão pela qual afeta a coletividade, tudo sem contar o fato daqueles que perdem esse sentido fundamental (audição), passarem a ter imensa dificuldade de comunicação com as outras pessoas, bem como, enfrentarem complicações no exercício de direitos (exemplo: dirigir), sofrendo riscos maiores até para atravessar uma rua.
Se a indústria não adotar imediata limitação no volume máximo dos leitores de música (MP3, MP4 e em celulares), adequando-os para o limite de segurança de até 80 decibéis, urge que seja aprovada uma proibição da venda desses aparelhos eletrônicos no mercado nacional. O fato de, por falta de orientação/educação para o consumo, existir quem goste de volume ensurdecedor, não é permissivo legal e salvo-conduto para que os fornecedores coloquem produtos defeituosos no mercado.
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em direito. Coordenador do Curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.