Leite adulterado: um caso que alerta para a importância da proteção dos consumidores

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Oscar Ivan Prux

A denúncia de que duas cooperativas adulteravam leite cru, adicionando uma mistura de ácido cítrico, citrato de sódio, soda cáustica, soro, sal, açúcar, e peróxido de hidrogênio (água oxigenada) estarreceu a população e já correu o mundo em detrimento da imagem do país. O objetivo naturalmente intuído deste tipo de ação, resumir-se-ia em ?batizar? o leite, de modo a mascarar as más condições, prolongando a aparência de ser um leite (longa vida) com qualidade. Diante do absurdo que representa este tipo de crime contra as relações de consumo, na verdade, é difícil saber todos os danos que um produto com esta formulação pode causar a quem o consome. Certo é que a soda cáustica, comprovadamente, é capaz de corroer o sistema digestivo e que a utilização da mistura denunciada, além de mascarar a deterioração do leite, retira boa parte das qualidades nutricionais dele. Segundo as informações policiais divulgadas pela imprensa, uma quantidade de aproximadamente 450 mil litros diários de leite longa vida teriam sofrido esta espécie de fraude tão lesiva a saúde dos consumidores. Não se sabe com absoluta certeza, o exato período pelo qual tal prática estaria acontecendo, mas as denúncias não são novas, uma vez que já faz três anos que a Polícia Federal começou as investigações. Informou-se que um técnico teria desenvolvido uma forma de adulterar o leite sem deixar vestígio e que esta fórmula supostamente foi vendida para várias cooperativas do país, sendo que algumas comercializam diretamente para consumidor e outras atuam como fornecedoras para empresas maiores.

Este autêntico ?caso de polícia? escandaliza o mercado e irá testar a eficácia da lei e da prática na proteção aos consumidores. Na esfera judicial quanto a presteza e justiça em si dos processos que serão inevitáveis. E, na seara extrajudicial, focando uma espécie de radiografia quanto aos efeitos: – do controle da Agência de Vigilância Sanitária no que refere a produção de alimentos; – da fiscalização sanitária sob os auspícios do Ministério da Agricultura (que mantém profissional nos laticínios); – das ações dos órgãos de classe quanto aos profissionais (técnicos) que praticam ou chancelam irregularidades; – da atuação da Polícia e demais órgãos envolvidos nestas circunstâncias de proteção dos direitos dos consumidores.

O caso sob exame relaciona várias áreas do Direito, pelo envolvimento de risco (e dano) à saúde e segurança dos consumidores e também aos seus interesses econômicos. Tão grave é este tipo de ação que ela é cominada como crime em mais de um diploma legal, justificando um verdadeiro ?diálogo das fontes? para encontrar a norma que mais se adeque para puni-la. O Código Penal (arts. 272, 274 e 273) prescreve para este tipo de conduta delituosa, penas que vão de um até oito anos de reclusão. Paralelamente, a Lei nº 8.078/90 (CPC) estabelece que, sem prejuízo do previsto no Código Penal e leis similares, é crime tal tipo de conduta (arts. 61, 62, 63 e 64). E, no mesmo sentido, a Lei n.º 8.013/90 (art. 7.º) também criminaliza a prática de colocar no mercado produto impróprio ao consumo. Espera-se, portanto, que a escolha da lei aplicável, contemple não só a técnica jurídica, mas tenha em mira a gravidade do fato, para incriminar todos aqueles que tenham tido qualquer tipo de participação nesta conduta objeto de denúncia. Confirmados os ilícitos, as multas administrativas que podem superar a mais de 3 (três) milhões de reais devem ser aplicadas para onerar aos infratores, mas só com elas não se fará justiça, impondo-se condenações criminais severas para criminosos que transvertidos de empresários ferem, inclusive, direitos humanos fundamentais.

Já sob o ponto de vista civil, neste caso danos morais e materiais podem estar configurados, sendo eles individuais (?puros?), individuais homogêneos, coletivos e difusos, gerando direito de ação para todos os tipos de prejudicados. Tal circunstância imprime legitimidade ativa para o prejudicado e também para aqueles que, como substitutos processuais, podem pleitear em nome dos consumidores, a exemplo do Ministério Público e das associações de defesa dos direitos dos consumidores.

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De qualquer forma, este tipo de situação mostra a fragilidade de nossa estrutura para assegurar produtos e serviços de qualidade no mercado, fato que reforça a importância da proteção pré-contratual dos consumidores, incluindo o que tange especialmente a produção de alimentos. Há que se cumprir o princípio da proteção da confiança, pois o destinatário final dos produtos (consumidor) é vulnerável e não tem condições de buscar exames técnicos em todos os alimentos que vai consumir. Desta forma, emerge como fundamental a atuação séria e meticulosa dos órgãos de regulação, controle e fiscalização das ações dos fornecedores no mercado de consumo, bem como, da polícia quando necessário, como no caso que ora se comenta. Na legislação parece existir complexo de normas suficiente para implementar a proteção dos consumidores (basta ver que o laticínio funciona tendo um fiscal permanentemente atuando dentro de seu estabelecimento), mas casos como este podem provar em contrário, por obra e graça de desídias, incompetência, corrupção e outras mazelas. Assim, a sociedade espera que o acontecido sirva de alerta e por suas repercussões (punições aos culpados), seja capaz de provocar ações efetivas para que a boa legislação que temos, realmente seja instrumento eficiente para práticas mais conformes com os ideais preconizados para a proteção dos direitos dos consumidores.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.