Inversão do ônus da prova: as condições alternativas de verossimilhança ou de hipossuficiência e a utilidade das regras ordinárias de experiências

A Lei 8.078/90 (CDC), em seu art. 8o, inciso VIII, diz que o juiz pode determinar a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, quando, a seu critério e segundo as regras ordinárias de experiências, constatar verossimilhança nas alegações deste (consumidor) ou for ele hipossuficiente. Ao utilizar o termo ?ou?, o texto legal expressa clara alternatividade (e não uma cumulatividade). Ou seja, inscreve que basta às alegações do consumidor serem verossímeis ou que ele seja hipossuficiente para que a inversão possa ocorrer. Entretanto, vê-se neste ponto uma questão polêmica: como o texto legal diz que a providência é a critério do juiz e isto insere espaço para julgamento dotado de notória subjetividade, tem-se que, de forma equilibrada e imparcial, convém entender que a verossimilhança deve ser uma espécie de pré-requisito substancial. Objetivamente: sem verossimilhança, nem mesmo o consumidor sendo hipossuficiente, é adequado inverter o ônus da prova, sob pena de correr-se o risco de patrocinar situação absurda. Entretanto, neste aspecto é que se inserem as contribuições das regras ordinárias de experiências, as quais devem ser observadas com muito critério e levando em consideração o que acontece no mercado de consumo, com suas peculiaridades. Mas o que se pode entender como sendo regras ordinárias de experiências?

De forma genérica, Nelson Nery Júnior, em seu Código de Processo civil comentado e Legislação extravagante em vigor?, expressa que: Para aferir a hipossuficiência do consumidor e a verossimilhança de suas alegações, deve o juiz servir-se das máximas ou regras de experiência, que são o conjunto de juízos fundados sobre a observação do que de ordinário acontece, podendo formular-se em abstrato por todo aquele de nível mental médio. Servem de critério e guia para a solução da questão relativa à prova, não sendo necessário que o juiz sobre elas se pronuncie expressamente na sentença ou decisão?. Portanto, as chamadas ?máximas de experiência? são colhidas ou buscadas pelo julgador na sua própria experiência sobre o que normalmente acontece na vida cotidiana. O juiz é um homem normal, que vive o dia-a-dia e observa o que habitualmente acontece na vida social. Assim, ele forma uma noção – é verdade que eventualmente sem ser absolutamente precisa, mas nem por isso aleatória – daquilo que quando afirmado, convence-lhe de representar a realidade. De sua vivência, então, o julgador retira experiência que serve como substrato e parâmetro para compreender se aquilo que o consumidor está a afirmar, representa coincidir com a realidade, considerada a normalidade dos fatos verificados habitualmente na vida cotidiana?.

Partindo destas constatações, observe-se que as regras ordinárias de experiências são fundamentais para a aceitação mental da verossimilhança das alegações do consumidor, assim como, para o reconhecimento (aferição) da sua hipossuficiência. Sempre que se envolve qualquer critério subjetivo para optar por esse ou aquele caminho, como no caso, decidir o juiz por inverter ou não o ônus da prova, esse operador do direito não pode ser afastado de sua formação cultural e, principalmente, de sua bagagem de observações e experiências colhidas ao longo de sua vida. É com esse repertório de vivência que o juiz maneja a lei e busca encontrar a decisão que considera mais justa. Portanto, as máximas de experiências não possuem uma fórmula fixa, ou uma relação ou parâmetro previamente estabelecido e imutável no tempo, mas se formam continuamente na mente do julgador, servindo-lhe como fonte inspiradora da decisão que avalia, se o consumidor necessita da inversão do ônus da prova como forma de facilitação para a defesa de seus direitos. Estas regras ordinárias não só variam com o tempo, mas também com o avanço da idade do julgador, com a evolução da ciência e com as demais modificações sociais. Ou seja, ao longo do tempo são mutáveis, como mutável é a vida social, mas não necessariamente instáveis se visualizadas no curto prazo, pois evoluem em correspondência com as transformações que ocorrem com o julgador e o que ele percebe acontecer na sociedade. Assim, servir-se das regras ordinárias de experiências demanda a que o julgador se esforce em compreender o mercado de consumo com suas especificidades. Para formar concepções com certa dose de segurança, é necessário que ele procure entender as práticas e estratégias (principalmente do marketing empresarial) utilizadas nas relações de consumo que ocorrem no mercado, como, por exemplo, a forma pela qual acontecem as contratações por via eletrônica (que alguns preferem denominar de contratos telemáticos).

Não se pode ignorar que à utilização das máximas de experiências (com suas naturais transformações) é impregnada de subjetivismo, mas há que se confiar no juiz. Deve-se partir do princípio de que ele é uma pessoa dotada de reconhecido preparo intelectual e técnico. Afinal, chegar ao exercício da magistratura requer certa idade, razoável vivência e um mínimo de bom senso, o que, normalmente costuma ser observado e aferido nos concursos (sérios) para esses cargos.

Reconheça-se, então, o papel crucial das máximas de experiências, como espécie de subsídio importante para que o julgador possa bem decidir se o consumidor preenche os requisitos necessários para merecer este tipo de facilitação da defesa de seus direitos. E, por derradeiro, acrescente-se que, mesmo nos casos em que o consumidor não requeira a inversão do ônus da prova, sempre que julgar necessário, o Magistrado pode decretá-la ex-officio, pois o CDC é norma de ordem pública e interesse social.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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