Oscar Ivan Prux

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O Código de Proteção e Defesa do Consumidor não se vinculou a visão tacanha de limitar-se a coibir apenas a lesão (fato já ocorrido). Em opção muito bem postada, destacou um melhor objetivo, verdadeiro dever prévio de não permitir que possam se fazer presentes no mercado, quaisquer produtos ou serviços capazes de colocar em risco injustificado a incolumidade física ou psíquica do consumidor. O intuito é proteger amplamente a saúde e segurança do consumidor, fatores dos mais relevantes para ele, já que integram o verdadeiro núcleo do direito à vida, valor supremo a ser protegido pela ordem jurídica.

Nesse desiderato, sem deixar de acentuar que os produtos e serviços colocados no mercado não deverão acarretar riscos descabidos para o consumidor e que cabe aos fornecedores, em qualquer hipótese, dar as informações necessárias e adequadas à respeito, a Lei 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), no artigo 8.º, parágrafo único, diz textualmente: “Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devem acompanhar o produto”.

Na seqüência, o art. 9.º, do Código, prescreve que: “O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto” (vide também o contido no artigo 31, do CDC).

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Nesse sentido, é importante observar que o risco proporcionado pelo produto (ou serviço), muitas das vezes, revela-se aceitável, ou seja, normal e previsível, sendo que é o defeito propiciado pela informação deficiente (ou pela omissão em fornecê-la), a verdadeira causa do dano ao destinatário final do fornecimento.

Estamos tratando, portanto, de dever fundamental para a segurança do consumidor no mercado de consumo, tal como destacado expressamente por Parra Lucan quando disse: “a proteção à saúde e segurança dos consumidores representa inequívoca manifestação do próprio direito à vida, internacionalmente reconhecido pelos textos constitucionais modernos”.

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Entretanto, considerando a mentalidade muito comum na cultura brasileira entendendo que só é preciso cumprir aquilo que estiver especificamente descrito na lei (típico desvirtuamento interpretativo do preceito de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei), em certas situações, surgiram questionamentos quanto a quem exatamente compete fornecer essas informações e arcar com as respectivas responsabilidades. A indagação centra-se no fato de que os caputs dos artigos 8.º e 9.º, mencionam caber tal dever aos fornecedores em geral, enquanto o parágrafo único do primeiro diz que em se tratando de produto industrial, recai apenas sobre o fabricante o dever de fornecer essas informações. Dessa forma, em se tratando de produto industrial, poder-se-ia afirmar que o comerciante estará sempre isento de responsabilização quando o dever de informar ao consumidor sobre os riscos do produto não for corretamente cumprido?

Em síntese, o problema cinge-se em saber, na prática, sobre quem dos componentes da cadeia de fornecimento recairá essa responsabilização.
Pois bem, a resposta deve ser encaminhada sob o prisma de separar as duas situações distintas existentes nestes casos: a) a primeira que é a elaboração da informação; b) e, a segunda, que engloba a conduta de fornecê-la para o consumidor. São, portanto, dois momentos diferentes desse processo. Divulgar a informação adequada e clara sobre os riscos dos produtos (e serviços) é dever afeto a todos os componentes da cadeia de fornecimento. Já no que tange a elaboração das informações relativas a produto industrial, naturalmente, tem-se circunstância na qual o fornecedor fabricante, por ostentar a condição de detentor do domínio técnico relativo à sua concepção e elaboração, é quem tem de assumir esse dever. Logo, sobre ele recai essa obrigação, sem que com isso se desonere os demais componentes da cadeia de fornecimento de, sob as mais variadas formas, fazer chegar ao consumidor as informações sobre os riscos que o produto apresenta.

Acrescente-se a este contexto que o consumidor também precisa colaborar e ser acessível à informação, bem como em atender aos aconselhamentos que lhe sejam transmitidos.

O Direito argentino, por exemplo, no art. 5.º, da Ley 24.240, captou bem essa perspectiva e trouxe uma conotação bilateral, cujos deveres inexoráveis pertencem aos fornecedores, porém sem olvidar também a participação dos consumidores nesse processo, tal como se transcreve: “Las cosas y servidos deben ser suministrados o prestados en forma tal que, utilizados en condiciones previsibles o normales de uso, no presenten peligro alguno para la salud o integridad física de los consumidores o usuários”.

Certo é que os consumidores precisam ser acessíveis em receber as informações prestadas pelos fornecedores, bem como, que lhes é vantajoso acatar os aconselhamentos para a correta utilização dos produtos. Não que o consumidor possa ser responsabilizado caso se omita (para ele não é um dever), mas simplesmente por conta de que, ignorando essas informações e aconselhamentos, além do risco de sofrer alguma lesão, poderá estar constituindo uma excludente de responsabilidade (culpa exclusiva do consumidor) que em caso de dano servirá para eximir o fornecedor de ter de indenizar. Atendidos esses pressupostos, o fornecedor cumprirá seu dever, estar-se-á protegendo o consumidor e contribuindo para implementar o princípio da harmonia nas relações de consumo.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.