Oscar Ivan Prux
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor trouxe a responsabilidade objetiva como regra geral e se afastou mais ainda das concepções atreladas a necessidade de demonstração de culpa (responsabilidade subjetiva) quando adotou o princípio da solidariedade. Consoante a realidade contemporânea, foi apropriado ao instituir o princípio da responsabilidade solidária daqueles que compõem a cadeia de fornecimento e se beneficiam dela, em especial os responsáveis pela causação do dano. Ninguém que seja lesado em alguma relação de consumo pode ficar sem reparação e ela deve ser a mais completa possível, mas operacionalizar isso nem sempre é algo simples no complexo contexto do universo negocial. Com contratos vários como parcerias, cessões de utilização de marcas, franchisings, terceirizações e outras espécies negociais, alguns fornecedores se valem de inúmeras técnicas empresariais para serem competitivos no fornecimento de seus produtos ou serviços, forma de diminuir custos e ganhar mercados. Ou seja, na conjuntura atual, é comum existir um fornecedor real e um fornecedor aparente (ou até mais de um de cada tipo e, as vezes, nem sequer plenamente ostensivos e identificados, tal como nos casos em que a venda é feita por internet). Nessas situações, então, para o consumidor é difícil identificar quais são os verdadeiros responsáveis pelo dano que veio a sofrer. Ricardo Luis Lorenzetti cita que na realidade cotidiana em que vivemos, nós consumidores, estamos freqüentemente nos relacionando com “sistemas expertos”, pelo quais muitos fornecedores participam da teia que leva ao fornecimento, e isso sem que todos sejam identificados. Essas características nos induzem a concluir ser apropriado que todos os integrantes da cadeia que realiza o fornecimento tenham responsabilidades inerentes a essa sua participação.
Afinal, quem de alguma forma aufere o proveito por participar dessa organização econômica, deve assumir o risco de ter dearcar com a possibilidade respectiva de vir a ser responsabilizado. Danos podem advir da condição do produto ou serviço, da ação do produtor ou da ação de quem faz a comercialização (do produto) e para o consumidor nem sempre é possível identificar dentro da cadeia de fornecimento, quem é o real causador do problema. Outro detalhe: quanto ao comerciante e ao representante comercial (art. 34, do CDC), em especial, não se pode olvidar que eles são uma espécie de longa manus do fabricante. Eles são as pessoas que chegam até o consumidor e aparecem como a face ostensiva da cadeia de fornecimento. Assim, nas situações em que o dano acontece e urge que seja reparado, sendo que o fabricante está praticamente inacessível para ser alcançado pelo consumidor devido a estar desconhecido ou ser empresa com sede em outro país, tem-se que o o comerciante (ou representante da marca no país), deve ser responsabilizado. É importante não esquecer que tendo o dano advindo de deveres de qualidade não cumpridos no que refere a fabricação, o comerciante que indenizar terá direito de regresso contra o fabricante, sendo que isto não será problemático, pois existem relações negociais entre ambos.
De todo este contexto se depreende ser muito adequado o parágrafo único, do artigo 7.º, do CDC, que diz: “Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”.
Note-se que o nosso sistema jurídico acolhe a máxima de que a solidariedade resulta de disposição de vontade das partes ou em virtude de lei, de modo que, nesse caso, a Lei n.º 8.078/90 apresentou previsão expressa, capaz de suprir essa possibilidade de lacuna. Em complemento, vários outros dispositivos da mesma lei corroboram esse princípio da solidariedade entre os fornecedores, dentre outros, por exemplo, os artigos 13, 18, 19, 25 (§ 1.º) e 28 (§ 3.º).
Uma consideração interessante diz respeito ao fato de que os dispositivos citados apontam sempre para a solidariedade entre aqueles que concorrem para causar o dano e não expressamente contra toda a cadeia de fornecimento. Contudo, cabe questionar: será que diante das dificuldades que o consumidor tem de fazer a prova da causa do dano e apontar a autoria, essa fórmula é apta para dar o amparo legítimo que o adquirente final do produto ou serviço merece?
Antes de responder, porém, cabe acrescentar que os problemas para identificar quem dentro da cadeia de fornecimento é o responsável pela causa do dano, não altera duas conseqüências elementares: – primeiro, não evita que se tenha lesão ao consumidor; – e, segundo, não altera as vantagens que os fornecedores obtém com a relação de consumo, o que não é justo. Deste modo, cremos que, em primeiro momento, não é adequado mirar somente na responsabilização do causador do dano, até por conta das dificuldades práticas para identificá-lo em certas circunstâncias. Portanto, nos casos mais complexos, é fundamental expandir essa responsabilização, para solidarizar aqueles que interagem, têm domínio e auferem proveito do mau fornecimento. Essa é uma medida de justiça, ainda mais que, toda reparação, é indiretamente paga com os recursos advindos dos preços cobrados dos próprios consumidores.
A modernidade exige agilidade nos contratos, eficiência na atuação, redução de custos e formas de fornecimento complexas, mas isto não pode representar risco de que, uma vez lesado, o consumidor fique ao desamparo. Parafraseando Pizarro, cabe referir que indenizar pela metade ou não indenizar, significa condenar o consumidor a carregar seu dano para o resto da vida (ou mesmo as seqüelas dele), enquanto o fornecedor poderá seguir com a rentabilidade auferida injustamente com o mau fornecimento.
Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.