Essa atual crise econômica é boa ou má para os consumidores?

Oscar Ivan Prux

Ouvir os economistas é escutar permanentemente a palavra crise. É deparar-se com sucessivas previsões traçando cenários sempre catastróficos mesmo para fatos opostos. Para eles, se a cotação do dólar sobe é um problema, se ela baixa também é problema, mas ninguém sabe dizer qual a cotação ideal para todos os envolvidos com esse mercado. Aliás, a palavra mercado criou uma dimensão antes não conhecida, como se este ente abstrato fosse alguém de nossa família ou da comunidade.

Atualmente, é comum as pessoas serem surpreendidas com afirmações do tipo “o mercado está nervoso!”. Teme-se os “humores” do mercado tal quanto no passado as pessoas temiam as forças divinas ou da natureza como o raio e o trovão. De fato, houve a “quebra” (insolvência tácita, mas não falência sob o ponto de vista jurídico) de vários bancos importantes, principalmente nos Estados Unidos. A causa surgiu de financiamentos imobiliários realizados sem obediência a critérios técnicos adequados. Explique-se: confiando na valorização constante dos imóveis, esses bancos forneciam financiamentos sem maiores cuidados em aquilatar as condições efetivas do mutuário pagar. E não se preocupavam com isso, pois contando com um sistema judicial bastante ágil para a retormada dos imóveis, assim que ocorria inadimplência, conseguiam em pouco tempo refinanciá-los para outras pessoas, às vezes até com lucro. Em meio a essa fartura de crédito chegava a ser possível para aquele que já tinha pago uma parte, refinanciar seu imóvel e receber dinheiro de volta. E nessa ciranda, alguns bancos praticavam alavancagem consistente em financiar até 50 vezes mais que seu capital. O sistema ruiu quando muitos dos financiamentos não foram pagos e o valor dos imóveis baixou, tendo os bancos ficado com casas em valor menor do que o saldo devedor do empréstimo e, principalmente, sem interessados em adquirí-las. Depois aconteceu o efeito cascata, pois cada instituição de crédito que entra em insolvência arrasta outras e envolve bolsas de valores e investidores, bem como, as decisões sobre investimentos. Embora hoje o Brasil seja um dos países mais bem preparados para enfrentar essa crise, ele não estará imune a ela.

Pois bem, até que ponto essa conjuntura é boa ou ruim para os consumidores?

A resposta principia por dizer que não é preciso concordar e endossar as palavras do socialista Karl Heirich Marx que afirmou ser o capitalismo um sistema fadado a provocar crises, exatamente por conter o germem de sua própria destruição. A realidade mostra que independente dos tipos de sistemas sociais, políticos ou econômicos que se contrapõem, de tempos em tempos são necessários ajustes, sendo que eles nem sempre são maus. Especialmente, na área de crédito que se expandiu muito e continua se expandindo em nosso país, sempre é preciso muita responsabilidade e ela não vem ocorrendo, principalmente no sistema bancário. Ainda não temos uma situação como a dos norte-americanos, mas pesquisas indicam que o endividamento do brasileiro cresceu 8% no ano passado e que 56% das pessoas estão com sua renda comprometida para os próximos seis meses. Quando não conseguem cumprir seus compromissos é comum as pessoas se desestruturarem pessoalmente e em suas relações familiares e sociais. Elas, ou ficam fora do mercado por estarem inscritas em bancos de dados de maus pagadores, ou usam nomes de familiares e amigos para comprar, em especial de aposentados que tem acesso fácil ao crédito com desconto em folha.

A realidade é tão problemática que no Poder Judiciário até já existem iniciativas destinadas a equacionar as situações das pessoas atingidas pelo sobreendividamento, com audiências coletivas para tentar encontrar soluções para esses casos. Fica evidente, então, que crise econômica, excesso de crédito e sobreendividamento são problemas complexos, a demandar soluções que não podem demorar.

Nesse contexto, entretanto, é de se crer não ser preciso haver cuidados com o mercado de produtos de luxo que é o primeiro a diminuir em qualquer recessão e nem mesmo com as inevitáveis restrições aos instintos consumistas das pessoas, pois essas são meras distorções de comportamento. A preocupação deve ser com o consumo das classes menos abastadas e que somente nos últimos anos alcançaram patamares mínimos de consumo para uma vida digna. Sabe-se que no Brasil, as turbulências na área financeira e nos negócios só podem beneficiar especuladores, mas não são boas para o setor produtivo. E nele o pior efeito é ter-se a diminuição da atividade econômica com uma correspondente redução de empregos. E sem emprego e renda não é possível haver o consumo necessário para que a pessoa tenha qualidade de vida. Entretanto, esse cenário nos permite observar que estava mesmo no momento de ajustes. É como um remédio um pouco amargo, mas indispensável quando ocorrem excessos. Não é preciso ser socialista ou comunista para entender que a importância e poder dado ao capital estava superdimensionado no sistema. Igualmente, mesmo que em nosso país uma enorme parcela da população ainda precise ser resgatada da pobreza – e isso só se faz com renda e consumo -, o certo é que, quanto as demais pessoas mais privilegiadas, tem-se que o mundo não suporta mais essa sociedade do hiperconsumo. Assim, a conclusão é que se o crescente aumento no ritmo de geração de empregos e de redução da desigualdade persistirem no país (e as condições do Brasil permitem isso), essa crise pode acabar sendo boa para os consumidores se dela emergirem práticas de crédito mais responsáveis, diminuir o sobreendividamento (dos consumidores) e se esse contexto levar à hábitos de consumo mais conscientes e representativos de verdadeiros atos de cidadania.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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