A data especial de Natal suscita a oportunidade de uma singela reflexão a respeito de nossos hábitos de consumo, especificamente sobre consumo e consumismo.

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O mês de dezembro caracteriza-se por ser um mês festivo. Natal e Ano Novo são momentos que nosso povo não deixa de comemorar, sendo que o final do ano marca um aumento considerável no consumo. Tal acontece não só devido às vendas de presentes para o Natal, mas também pelas aquisições para suprir as necessidades para as festas e confraternizações, no caso o consumo de elementos (enfeites, iluminação, etc) que compõem este ambiente que contagia o espírito das pessoas.

Existe uma mescla do credo de comemorar-se o aniversário do nascimento de Jesus (que na verdade não se sabe em qual dia exato nasceu, sendo improvável que tenha sido dia 25 de dezembro) e a lenda de Papai Noel, o bom velhinho que teria uma fábrica para confeccionar os presentes e atender aos pedidos das crianças e adultos. Acontece, portanto, todo um clima psicologicamente favorável para aumento da atividade comercial. O sentimento de esperança por um novo ano que se aproxima e o recebimento do 13.º salário que coloca um tanto de recursos nos bolsos dos trabalhadores (muitas vezes o 1/3 das férias também contribui), aumentam a auto-estima destas pessoas, o que também colabora para que estejam mais predispostas a comprar.

Desse estado psicológico se aproveita o sistema capitalista, que se estrutura na dependência não só da produção, mas, substancialmente, da demanda para consumo, sendo que impulsioná-lo atuam a publicidade e todo um aparato de marketing permanente por parte das empresas. É comum, então, que neste contexto intensamente favorável ao consumo, as pessoas se embalem por sentimentos normais e também por irrefletidos ímpetos consumistas, ainda mais que elas costumam comprar não apenas os presentes para os outros, mas também coisas para si (nem que seja apenas uma roupa para passar a noite do Ano Novo).

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A diferença essencial entre o consumo salutar e o consumismo reside em certos detalhes que convém analisar. Intrinsecamente, consumo é satisfação de necessidades, as quais podem ser de três ordens. As pessoas consomem: a) por necessidade essencial ou vital, como no caso de alimentos sem os quais não viveríamos; b) por imposição legal, como no caso dos seguros que a lei nos obriga a adquirir (no futebol o seguro acompanha o ingresso) ou das roupas que mesmo nos dias muito quentes, obrigatoriamente temos que usar para não praticarmos o crime de atentado público ao pudor; c) por compulsão (ou impulso), gerado pela publicidade agressiva, na maioria das vezes de característica subliminar e dotada da capacidade de atingir o consciente e o subconsciente das pessoas, impelindo-as a comprar por verdadeiro instinto difícil de controlar (cria-se uma necessidade psicológica, desligada das necessidades reais).

Das imposições legais necessárias à convivência em sociedade não podemos nos furtar, assim como, das aquisições para satisfazer as necessidades essenciais ou vitais. Insere-se nestas situações, o consumo que, quando corretamente estruturado e concretizado, revela-se benéfico. De outro modo, no consumo por compulsão (de impulso incontrolado) temos um fruto degenerado de nosso sistema capitalista, que faz o possível e o impossível para incutir nas mentes das pessoas o mito de que ?ter é mais importante do que ser?. Por este equivocado paradigma, o valor e a importância de alguém residiria naquilo que ele consegue adquirir, forma de estampar o status social decorrente de suas qualidades e sucesso pessoal. Por esta lógica de consumo (na verdade, ilógica e pouco racional), aquele que tem mais ou ostenta mais através da exibição que faz usando produtos de grife (que por si só demonstram maior poder aquisitivo), seria uma pessoa mais capaz e bem sucedida, tendo maior valor do que os demais.

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O fetiche do consumo tem longa história. No Século XIX, Karl Marx já dizia: ?o operário não consegue comprar o produto de seu trabalho!?. Para ele e seus seguidores marxistas, por esta razão o ser humano se sente menor do que o objeto que produziu. Assim, o ato de adquirir e possuir mais, significa no inconsciente das pessoas, a demonstração inconteste da capacidade de ser maior e mais importante que o simples objeto que foi colocado no mercado de consumo. Por isto as pessoas buscariam tanto o ter (que representaria o valor da pessoa). Concordando ou não, o fato é que o marketing publicitário contínuo e incessante destinado ao inconsciente das pessoas insiste nesta idéia, induzindo ao consumo irrefreado e sem uma lógica de atendimento para necessidades verdadeiras. Dessa realidade advém o consumismo, que nada mais é do que um desvirtuamento do consumo. Benfazejo é apenas o consumo consciente, bem informado e apto a satisfazer as necessidades verdadeiras. Já o consumismo, ajuda apenas interesses empresariais pouco ou nada meritórios e representa grande instrumento de infelicidade para aqueles que não conseguem adquirir segundo suas necessidades psicológicas.

Não se espere que espontaneamente surjam bons sentimentos nas práticas capitalistas, pois mesmo que respeitem a lei, sua gênese resume-se na busca do lucro e não do altruísmo. Considere-se igualmente, que não se pode suprimir à livre iniciativa empresarial e o livre arbítrio das pessoas escolherem quando e o que comprar. Resta, portanto, operacionalizar-se uma conscientização individual e coletiva em favor do consumo bem constituído (reprimindo-se o consumismo decorrente de concepções equivocadas e punindo a publicidade abusiva que incita aos maus hábitos de consumo).

A época de Natal é oportuna para refletirmos sobre esta realidade e começarmos a melhorar nossas práticas de consumo. Lembremo-nos que Papai Noel não é Jesus, e que os interesses negociais nem sempre laboram com sentimentos genuinamente natalinos.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em teoria econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas. Diretor do Brasilcon para o Paraná.