É lícito cobrar do motoqueiro a não entrega do lanche no tempo fixado?

Oscar Ivan Prux

Interessante julgado (que se almeja, logo se converta em jurisprudência) foi emitido pela Justiça do Trabalho apontando para uma prática que está se tornando freqüente nas grandes cidades e infringe de forma direta e flagrante, a preceitos de Direito do Consumidor.

O caso envolveu um moto-boy que trabalhava para uma grande e conhecida rede de fast food, na tarefa de entregador de lanches.

No processo originário da Quarta Vara do Trabalho de São Paulo (Capital) e que acabou sendo julgado em grau de recurso no Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região (Autos n.º 0032520080002002), houve todo um debate a respeito das verbas trabalhistas pleiteadas. Entretanto, naquilo que mais nos interessa analisar no presente artigo, chamou atenção à condenação da empresa a pagar uma indenização no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a título de danos morais, tendo em vista a imposição por parte dela (empresa) de que o motoqueiro pagasse o lanche, caso não realizasse a entrega em, no máximo, 13 minutos. Essa prática tem se tornado rotineira nas maiores cidades, onde buscando incrementar suas vendas, as redes de fast food criam promoções anunciando que se o lanche não for entregue no endereço do cliente dentro do limite de minutos fixado, o produto não precisa ser pago, tornando-se fornecimento grátis. Esse tipo de promoção surgiu inicialmente para provar bom atendimento dentro dos estabelecimentos comerciais, na medida em que aquele consumidor que ficasse na fila por mais de dois minutos sem ser atendido, não precisava pagar o lanche. Depois, a prática se expandiu para as entregas fora do estabelecimento comercial do fornecedor, ou seja, na residência ou local de trabalho do consumidor. O problema centra-se no fato de que para promover suas atividades de fornecimento, a empresa na qualidade de fornecedora: a) cria sua promoção de forma unilateral e arbitra o tempo de entrega a seu bel prazer. Certo é que o entregador não pode ser desidioso (lento, moroso), porém, diante de circunstâncias que lhe fogem ao controle, não pode ser pressionado a ser rápido de qualquer forma; b) nem sempre considera o tempo que o lanche demora para estar disponível para o moto-boy que vai entregá-lo; c) não amolda o procedimento nas situações em que o moto-boy recebe mais de um lanche para entregar em diferentes locais, mesmo que próximos. E, nesses casos, ignora o tempo maior ou menor que o consumidor leva para atender ao entregador; d) desconsidera questões como, distâncias diferentes para cada local de entrega (a demandar tempos diferentes), condições climáticas (em caso de chuva, trafegar em velocidade elevada aumenta o perigo), estado do trânsito no momento e demais circunstâncias que podem influir no deslocamento; e) e, naquilo que é pior, a empresa fornecedora transfere para o moto-boy os riscos do negócio (da promoção que ela unilateralmente criou), compelindo o entregador a se arriscar indevidamente e a ameaçar a segurança de outras pessoas que circulam por onde ele passa.

Sob o ponto de vista do desenvolvimento de legislação específica, o Direito do Trabalho antecedeu ao Direito do Consumidor no cenário jurídico brasileiro. Contudo, não têm sido poucas as contribuições deste último para com o primeiro. E uma delas é estabelecer a proteção pré-contratual, contratual e pós-contratual não apenas daqueles que tenham intervindo nas relações de consumo, mas igualmente de todas as eventuais vítimas do evento (bystanders) ou estejam expostas a práticas vedadas pela Lei n.º 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor, artigos 2, 17 e 29). Ou seja, a proteção conferida pelo CDC para aqueles que adquirem ou utilizam um produto ou serviço, é estendida também para aqueles que, na qualidade de consumidores equiparados, sejam de qualquer forma atingidos pelos efeitos danosos de uma relação de consumo.

Assim, no caso destas promoções de entrega rápida, quando o valor do lanche é cobrado do moto-boy configura-se evidente prática abusiva coibida pelo CDC. Não se aconselha que para efetivar uma relação de consumo, qualquer pessoa venha a ser induzida ou compelida a se utilizar de excesso de velocidade ou manobras arriscadas (ainda mais de motocicleta), colocando em risco sua vida e a de outras pessoas.

O número de acidentes já é alarmante mesmo quando as vias estão bem sinalizadas e oferecem bom padrão de segurança, o trânsito está sem congestionamentos e não há intempéries. Então, muito pior é quando alguém na função de entregador tem um número fixo de minutos para cumprir sua tarefa, mesmo em condições de tráfego e clima que nem sempre são favoráveis.

Portanto, essas promoções em que, para aumentar suas vendas, a empresa fornecedora promete entregar seu produto (pizza ou outra espécie de alimento) em reduzido número de minutos, imputando ao moto-boy entregador, o ônus de pagá-lo caso não cumpra o prazo fixado, é prática abusiva. Não se olvide que o rol de práticas abusivas previstas no art. 39, do CDC, é meramente exemplificativo, não excluindo situações como esta que ora se examina e que, claramente, constitui ilicitude na forma de promover relações de consumo. Deste modo, essa prática deve ser objeto de medidas administrativas previstas em especial no art. 56, do CDC, impondo a cessação desta modalidade de promoção para fornecimento, a aplicação de multas e o dever de indenizar aos prejudicados. Conforme os valores que foram implantados pelo CDC, as relações de consumo não podem servir para práticas desvirtuadas e lesivas ao interesse social, incluindo a segurança no trânsito, o direito ao trabalho em condições regulares e a proteção da vida em todos os seus aspectos.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito e diretor da Brasilcon para o Paraná.