Direitos básicos do consumidor: breves considerações sobre a proteção em práticas pré-contratuais

Transparência e lealdade, estas as palavras chaves implícitas no inciso IV, do artigo 6.º, da Lei n.º 8.078/90, que tratando dos direitos básicos do consumidor assim expressa: ?a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços?. O mencionado dispositivo do CDC apresenta uma espécie de código de ética das práticas pré-contratuais, balizando os comportamentos do fornecedor e demais partícipes do mercado de consumo, de modo que suas condutas jamais se desviem da boa-fé objetiva obrigatória para toda relação de consumo. É importante ressaltar que o artigo 6.º, do CDC apresenta uma espécie de resumo do código, em específico no que tange aos direitos básicos dos consumidores, sendo que o referido rol (que não deve ser considerado taxativo e excludente para outros direitos que a evolução mostre existirem), não se desvia dos princípios gerais que estão elencados primordialmente no artigo 4.º, do mesmo diploma legal. Objetivamente, o dispositivo recém-transcrito (inciso IV), foi estabelecido com o direcionamento primordial de proteger o consumidor potencial (ainda não contratante) e, nos momentos que precedem à contratação da relação de consumo, evitar que aconteçam práticas (extracontratuais) não condizentes com a honestidade que deve impregnar as ações daqueles que compõem a cadeia de fornecimento.

A leitura textual do referido inciso aponta alguns aspectos que merecem análise específica. Pode-se começar observando que a publicidade é espécie pertencente ao gênero oferta e se constitui na mais freqüente forma do fornecedor captar a preferência do consumidor. Por isto a norma veio prescrever que são direitos básicos do consumidor, a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva. O uso da expressão ?e?, não significa, porém, a necessidade de concomitância. Ou seja, de que só seria vedada a publicidade que apresentasse, simultaneamente, as duas caracterizações (enganosidade e abusividade). Note-se que a publicidade enganosa e a publicidade abusiva são claramente distintas e muito bem caracterizadas no artigo 37, do CDC, sendo que qualquer delas, individualmente, por si só, já caracteriza conduta ilícita e susceptível de punição. Igualmente, o uso do ?e? não pode levar a ilação de que toda a publicidade que seja enganosa, conclusivamente, também será abusiva. Repetimos: ambas as espécies de publicidade desvirtuada, apresentam características e elementos distintos que não permitem confundi-las, podendo-se tributar este detalhe as armadilhas que o manejo da língua portuguesa costuma provocar na redação de leis.

Quanto à coibição de ?métodos comerciais coercitivos ou desleais?, também inserta no mesmo dispositivo sob exame, temos que embora seja uma prescrição endereçada primordialmente aos integrantes da cadeia de fornecimento, não se restringe somente a eles. É importante visualizar que a palavra ?métodos? se relaciona com condutas e não com pessoas especificadas ou tipos de agentes econômicos determinados. Assim, independente de quais sejam os autores, colaboradores ou co-autores, o preceito legal se direciona à conduta de todos aqueles que, direta ou indiretamente, colaborarem com a referida conduta ilícita. Note-se, como exemplo, que quem cria o método ilícito ou colabora para que ele seja implantado ou possa manter-se, mesmo não sendo fabricante ou vendedor do produto ou serviço, jamais poderá ficar isento de cumprir a norma ou de sofrer cominações legais. Convém ressaltar que para reprimir condutas desta ordem, o CDC apresenta variadas alternativas de sanções administrativas que a autoridade pode aplicar com apoio no contido em seu artigo 56. E mais, diz o artigo 83 do código, que são permissíveis todos os tipos de ações para fazer valer os direitos nele previstos. Ou seja, o segundo dispositivo é direcionado para a defesa do consumidor em juízo, enquanto o primeiro deles veio para reger as providências que podem ser tomadas em esfera extrajudicial.

Prosseguindo, convém analisar o último tópico do inciso objeto destas breves considerações, no qual tem-se a proteção contra ?práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços?. Embora mencionando a expressão ?cláusulas abusivas?, não se pode considerar que o mencionado dispositivo adentrou a esfera contratual (que é objeto do CDC em seu artigo 6.º, inciso V). Não se pode ignorar que, no cotidiano, o contrato de adesão é uma realidade muito comum e que as cláusulas abusivas surgem antes nos formulários e só depois integram o contrato celebrado. Instrumentos predispostos com esta finalidade, às vezes são simplesmente ofertados, outras vezes, entretanto, são tacitamente impostos no mercado e isto exige cuidados. É o caso, por exemplo, de fornecimentos em regime de monopólio ou oligopólio, principalmente quando envolvem serviços essenciais. Deste modo, fica explícito que a vedação legal é dirigida para as práticas extracontratuais consistentes em inserir cláusula abusiva em formulário de contrato de adesão, fórmula que permite, inclusive, o seu controle antecipado (antes de configurar um contrato).

Assim, concluindo, embora pareça que o legislador incluiu um elenco demasiado numeroso de direitos básicos do consumidor, o fato é que se percebe nitidamente existir um elemento a uni-los, no caso, a característica de se referirem à fase pré-contratual das relações de consumo. Certo é que prevenir revela-se melhor do que remediar, como ensina a sabedoria popular que o CDC não ignorou.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.