Oscar Ivan Prux

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Com toda a autoridade de quem preside a APDC (Associação Portuguesa de Direito do Consumo), uma das mais prestigiadas entidades da União Européia nesta matéria, Mário Frota diz com muita propriedade que a segurança é nuclear em qualquer atividade. E de fato o é!

O consumidor pode, basicamente, ser lesado em duas órbitas: a) sua saúde ou segurança; b) seus interesses econômicos/patrimoniais. Sem dúvida, ambas são importantes, mas a relevância sobressai no que é fundamental para o bem maior a ser protegido, no caso, a vida humana. O Código de Defesa do Consumidor em seu art. 6.º, inciso I, filia-se a esse propósito apresentando um dever geral de segurança que labora em favor dos consumidores e terceiros que possam vir a ser atingidos por qualquer prática ligada à relação de consumo. Seu direcionamento é amplo, mas com destaque para o foco eminentemente preventivo, ou seja, voltado para a proteção contra o risco (e não restrito a proteção contra o dano). Observe-se que o simples risco, mesmo que hipotético, já representa um dano, vez que atenta contra a proteção da confiança do consumidor e, no mínimo, retira das pessoas a tranqüilidade advinda da segurança. O objetivo sempre deve ser buscar a proteção a priori, configurada num dever abstrato de inexistência de risco e não apenas de preocupar-se, a posteriori, com a reparação de um dano já acontecido, nos moldes típicos do Código Civil quando trata da responsabilidade. Não é uma mera questão de reparar quando lesar, mas de não aceitar sequer o risco de vir a lesar. Deste modo, se um produto ou serviço, na forma como foi concebido e/ou está sendo fornecido, é considerado defeituoso por não apresentar a segurança que dele se pode esperar, evidente que não deve existir no mercado. Como é natural, a simples imposição legal estabelecida pela teoria da qualidade não é suficiente para garantir que todos os fornecimentos tenham segurança absoluta, principalmente em se tratando de sociedades ainda em desenvolvimento. Tecnicamente, inclusive, existe a possibilidade de tolerância para riscos inerentes (quando normais e previsíveis), porém é dever do fornecedor nesses casos, tudo fazer para minimizá-los a ponto de serem mantidos dentro de limites plenamente justificados e toleráveis. Expressamente, diz o CDC, no art. 10: ?O fornecedor não poderá colocar no mercado produto ou serviço que sabe ou deveria saber, apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança?. E tal dever não se restringe apenas para produtos ou serviços com extremado grau de nocividade ou periculosidade, mas sim a todo e qualquer desvio de segurança que extrapole os limites razoáveis/viáveis legalmente, consoante prescreve o art. 8.º, que diz: ?Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito?. Ressalte-se que quando se fala em riscos normais tem-se o sentido de identificar apenas aqueles que sejam inerentes, ou seja, inevitáveis e que não superem os limites do razoável, de modo que os benefícios trazidos pelo produto ou serviço, em contraposição a seus riscos, sejam suficientes (compensadores) para justificar o consumo, enquanto como previsíveis temos aqueles em que o consumidor não é surpreendido pelo risco e possui a disponibilidade de bem precaver-se, protegendo-se e evitando os possíveis danos que o produto ou serviço seja capaz de causar. Portanto, diante da existência de riscos nem sempre cabe a decisão radical de eliminar o fornecimento, mas sim do fornecedor aprimorar as técnicas e cuidados e respeitar as prescrições legais. E este detalhamento deve incluir não só o cuidado com os produtos, mas quando se trata de serviços, também com as técnicas e a qualidade dos instrumentos (ferramentas, acessórios, etc.) envolvidos no fornecimento. Considere-se que deve ser fator irrelevante e desconsiderado nestes casos, o fato da atividade ser rentável para o fornecedor e até despertar interesse na aquisição por parte de determinados consumidores, pois prepondera o dever geral de segurança. Principalmente em determinados tipos de fornecimento, como os ligados a estética, não é raro perceber interesse, tanto dos fornecedores, quanto de consumidores, por fornecimentos caracterizados como procedimentos experimentais que a ciência não comprovou a eficácia, mas tal deve ser vedado obedecendo a este dever geral de segurança previsto como de ordem pública. E mais, nos casos em que o fornecimento não seja de utilidade essencial ao consumidor, as cautelas devem ser mais rigorosas ainda, pois o consumidor pode passar sem ele. Necessário insistir, então, que esse decisivo dever de segurança ínsito à atividade de qualquer fornecedor, além direito fundamental do consumidor e quase-princípio do CDC, é disposição de ordem pública, devendo ser aplicado plenamente em prol de um interesse social que supera eventuais interesses individuais. Nesta área, o risco e o dano são para os consumidores, perda de qualidade de vida e mesmo, nos casos mais gravosos, forma de hostilização da vida em si. E quando apesar dessas precauções que se constituem em deveres inafastáveis pertencentes aos fornecedores, ainda assim, se por algum motivo, na relação de consumo o risco se fizer presente chegando ao ponto de concretizar um dano, a reparação deve vir inexorável e ser a mais completa possível. Repetimos: trata-se da proteção da vida, bem mais importante e razão de existência da própria organização social.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

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