Deve ou não ser permitido teste genético em quem quer contratar um plano de saúde?

A ciência evolui em todo mundo e a previsão antecipada de moléstias tem sido um destes grandes benefícios trazidos pela medicina. A questão reside em como utilizar estes avanços. Pois bem, conforme noticiou a imprensa especializada, recentemente o Comitê de Genética e Seguros do Reino Unido autorizou as companhias privadas de seguro de saúde a realizar testes genéticos para detecção prévia de existência de doenças ou da possibilidade de que isto venha a ocorrer no futuro. Ou seja, quando alguém busca contratar um seguro privado de assistência à saúde, a companhia pode exigir que o interessado tenha que se submeter a testes genéticos para saber se já possui ou se tem probabilidade de vir a apresentar alguma doença cujo tratamento o seguro estará obrigado a cumprir. Assim, na primeira hipótese, a companhia considera haver pré-existência e impõe as restrições contratuais legalmente permitidas quanto à cobertura do tratamento e, na segunda hipótese, diante da probabilidade ainda incerta de que a pessoa venha apresentar a doença no futuro, também impõe exclusões de cobertura de tratamento e outros ônus mais (por exemplo: não aceitação ou mensalidade diferenciada). É verdade que a autorização emitida em terras inglesas, neste momento se restringe apenas ao teste para a doença de Huntington, um distúrbio degenerativo de origem genética, mas a tendência é que venha a ser estendida para outros tipos de patologia. E novidades como estas logo chegam a países como o Brasil, razão pela qual já existem em análise no Congresso Nacional, Projetos de Lei buscando coibir este tipo de prática (a exemplo do PL 4610/98, que se encontra em tramitação no Senado).

Sob o ponto de vista da proteção do consumidor, seria incoerente ser contra exames de saúde destinados a descobrir patologias que atingem o paciente e, como ora se discute, a detecção antecipada da possibilidade da pessoa vir a contrair determinadas doenças. O check-up médico periódico é uma prática recomendada e contando com a ajuda da tecnologia, quanto mais avançado ele for para descobrir problemas de saúde e propiciar um tratamento adequado, melhor é para a pessoa. A questão é a utilização que se dará ao resultado desses exames médicos, processo que não pode se transformar em fator de exclusão, discriminação ou sofrimento antecipado para o paciente consumidor. Note-se que com os exames genéticos não temos apenas a constatação de doenças que o paciente já é portador, mas em especial a detecção de patologias para as quais existe somente uma mera probabilidade de que ele venha a ser acometido tempos depois. Então, não se trata só de certezas, mas apenas de possibilidades que podem não acontecer, e isto não pode servir para que a pessoa sofra restrições ao encetar a contratação de um seguro ou plano privado de assistência à saúde. Compreende-se que as operadoras esforcem-se para quantificar com exatidão os seus custos e tentem prever as despesas que terão, pois isto faz parte do planejamento empresarial. Entretanto, não se justifica que alguém portador de alguma característica que, segundo dados estatísticos fornecidos pelas pesquisas científicas na área da medicina, é mais sujeito a vir apresentar na velhice determinada doença, embora sem uma certeza plena de que tal virá realmente acontecer, sofra desde a juventude, determinadas restrições, onerações ou discriminações ao tentar contratar um seguro ou plano de assistência à saúde. Nestes casos, embora os testes genéticos sejam capazes de revelar existir uma grande probabilidade da pessoa vir a contrair a doença, normalmente esta certeza não existe e mesmo em hipótese positiva, muitas vezes tal circunstância só vai acontecer muitos anos depois. Dessa forma, então, a pessoa vem a sofrer antecipadamente certas restrições por conta de uma doença que ainda não é portadora e talvez nunca seja. Este cerceamento antecipado de acesso igualitário e pleno a este tipo de consumo não se justifica nem econômica, nem moralmente. Sob o ponto de vista jurídico, é importante observar que este tipo de contrato tem como característica ser baseado nos índices de sinistralidade e na mutualidade correspondente. Em outras palavras: a mensalidade que todos os contratantes pagam independente de estarem doentes ou virem a precisar ou não de tratamento futuro, propicia-lhes a segurança de que serão atendidos caso tenham a infelicidade de necessitar de algum tratamento de saúde dispendioso. Por sua vez, a operadora sabe que os gastos com saúde são elevados, mas que ao receber as mensalidades terá recursos para custeá-los, pois apenas alguns ficarão doentes. Faz, então, sua previsão através de cálculos atuariais que revelam estatisticamente estes índices de quantos possivelmente ficarão doentes e deste modo fixa o valor da mensalidade. Assim, em havendo os referidos exames genéticos, nos casos do resultado apontar com certeza que o usuário vai realmente ser acometido de imediato pela doença, desaparece o caráter aleatório inerente a este tipo de contratação (probabilidade da doença vir a acontecer para o contratante), desnaturando juridicamente a contratação quanto a sua modalidade típica. Nestes casos, o pagamento deverá passar a ser correspondente ao serviço que será prestado, o que descaracteriza o contrato como seguro ou plano de saúde. De outro modo, se o exame não dá certeza de que a doença realmente acontecerá, excluir ou discriminar antecipadamente o consumidor no seu direito de realizar este tipo de contratação não encontra justificativa legal ou ética.

Assim, considerando que este tipo de prática deve logo chegar ao Brasil, é importante a manifestação da sociedade e a atuação da Agência Nacional de Saúde (ANS), para que estes exames genéticos venham em prol da proteção do consumidor e não se tornem um injusto instrumento de exclusão, discriminação ou sofrimento antecipado para quem for contratar um seguro ou plano privado de assistência à saúde.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.