Consumo sustentável: a urgente necessidade de apoiar a atividade dos catadores de lixo e suas cooperativas

Oscar Ivan Prux

No passado, poucas eram as preocupações com o lixo a “céu aberto”, sendo que as pessoas não eram afeitas a reaproveitar resíduos e a praticar reciclagem. Atualmente, não apenas em razão das questões relativas à saúde pública, mas também devido a uma maior conscientização, o direito ambiental e o direito do consumidor uniram-se na implementação do consumo sustentável. Foram necessárias décadas de esforço para que esse tipo de ação ganhasse apoio e passasse a fazer parte dos hábitos de um número significativo de brasileiros. Aos poucos foram surgindo estudos envolvendo todas as fases do ciclo econômico (produção, circulação, consumo e pós-consumo). Cientistas passaram a se dedicar a descoberta de novos elementos como o plástico biodegradável, bem como, a pesquisar detalhes como saber se, para a proteção da natureza, é melhor utilizar garrafas de vidro ou de plástico, tendo em vista os processos industriais, seja para fabricá-las, seja para reciclá-las (considerando a energia usada na indústria, o gasto de água, os produtos químicos envolvidos no processo, o transporte, os resíduos e outros detalhes relacionados à poluição).

Pois bem, nessa conjuntura a sociedade foi se inclinando pela reciclagem e houve um reconhecimento mundial pelo destaque do Brasil nessa atividade, praticada anonimamente por milhões de donas de casa que separam o lixo e de pobres desempregados que todos os dias empurram seus carrinhos pelas ruas de nossas cidades, catando material reciclável para vender para indústrias. Em verdade, uma enorme contribuição para a preservação ambiental. E a reciclagem não foi desestimulada nem mesmo pela contrapropaganda nociva representada por boatos como a afirmação de que a reutilização de plásticos de garrafas tereftalato de polietileno (chamadas de PET), causam mal à saúde quando estas novas garrafas entram em contato com alimentos. Ou seja, quando os alimentos acondicionados nas novas garrafas confeccionadas com o material reciclado são levados ao forno de microondas (para preparo ou aquecimento do alimento). Esse absurdo, ao ser reproduzido muitas vezes na internet, ganhou os tolos foros de cientificidade, mas desmentidas depois pelas pesquisas realmente científicas que mostraram ser isso totalmente falso e despropositado.

Porém muito mais que boatos tolos, é a crise econômica que tem colocado essas boas práticas (consumo sustentável) em lamentável processo de esquecimento ou em segundo plano. De parte do governo só emergem programas para reativar a atividade econômica, ignorando a evidente constatação de que nosso planeta não tem condições de suportar permanente aumento de nossos níveis de consumo, principalmente envolvendo produtos supérfluos e poluidores. Mais dia, menos dia, o hiperconsumo traz um preço alto demais para ser pago por esta e pelas próximas gerações. Entretanto, mesmo tendo se propiciado o momento para mudanças (mais pela necessidade do que pela consciência), tem-se observado uma grande preocupação focada primordialmente em fomentar atividades, independente de que sejam de consumo sustentável ou não, o que é um erro. No Brasil, o principal programa é o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que é secundado por medidas como redução de impostos para setores mais afetados, apoio às exportações, incremento da construção civil e incentivo para outros segmentos empresariais. Porém, está sendo esquecido um setor vital para o consumo e desenvolvimento sustentável, no caso a humilde atividade dos catadores de lixo para reciclagem (individualmente e por suas cooperativas). Note-se que nosso país sempre foi exemplo em termos de reaproveitamento de resíduos, principalmente no que concerne a latas (de refrigerantes, cervejas ou conservas), papel de todos os tipos e vidros (de garrafas ou de outras origens). Através do interesse econômico de milhões de catadores que conseguiam o sustento dessa forma, esse processo surgiu e vinha se realizando de forma quase natural e espontânea. Por ele sempre houve importante ajuda para a limpeza urbana, ocupação para tantas pessoas que integram a classe mais pobre da população, economia de recursos para empresas e, principalmente, uma louvável contribuição para o consumo sustentável com denodada proteção à natureza. Entretanto, exceto umas poucas iniciativas de colocação de lixeiras, de recolhimento seletivo e de apoio à constituição de cooperativas de catadores, o poder público jamais participou efetivamente dessas iniciativas. E agora nessa tormentosa conjuntura, tendo diminuído a atividade econômica e havido substancial redução no valor pago aos catadores por esses materiais, eles estão enfrentando enormes dificuldades para sobreviver na atividade. A espera de melhores preços, alguns estão apenas estocando as latas, garrafas e plásticos que recolhem e outros já abandonaram a atividade. Mirando na crise, as indústrias estão a ofertar que equivalem a menos da metade do que antes pagavam pelos mesmos materiais. E enquanto o governo federal promete abrir polpudas linhas de crédito para as cooperativas agrícolas, as de catadores estão a mingua. É o momento, portanto, da sociedade reclamar do Poder Público esse apoio para a atividade dos catadores. Essa providência virá atender objetivos de consumo sustentável, cumprir preceitos de direito ambiental e, em especial, forma direta e indireta de implementar a realização dos desideratos estabelecidos na Política Nacional de Relações de Consumo (conforme o art. 4.º, da Lei n.º 8.078/90 – Código de Proteção e Defesa do Consumidor). Importante para os catadores, mas, sobretudo, fundamental para nossa qualidade de vida e sobrevivência digna das próximas gerações.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.