Consumo sustentável: a importação de pneus usados

A utilização de veículos tem sido solução e problema em nossa época. Solução, porque facilita os deslocamentos e, problema, pelos congestionamentos no trânsito, acidentes, falta de espaço para estacionamento e também pelo lixo que ocasiona, tudo contribuindo para a poluição ambiental. E não têm sido eficazes as campanhas de ficar um dia sem usar carro ou cobrar da indústria automobílistica que crie componentes biodegradáveis para os veículos, nos quais se incluem os pneus, produto derivado de petróleo e que depois de descartado se torna uma enorme fonte de problemas.

Esta discussão é oportuna por conta de que o Governo brasileiro, ao mesmo tempo em que mantém a proibição da importação de carcaças de pneus vindas da Europa, tomou medida que reforça a permissão de que pneus remoldados possam ser importados de países do Mercosul. Note-se que a União Européia questionou na OMC, esta proibição de importação de carcaças, mas Brasil já obteve uma primeira vitória pela qual ficou reconhecido seu direito de obstar este tipo de importação, devido aos danos que pneus usados provocam a saúde e ao meio ambiente. Pois bem, mesmo assim, através da Câmara de Comércio Exterior, entrou em vigor a resolução que, teoricamente, limita a 250 mil unidades a importação de pneus remoldados (reformados uma única vez), desde que vindos de país do Mercosul (especificamente 120 mil unidades do Paraguai e 130 mil unidades do Uruguai). É também permitida a importação de até duas mil unidades deste tipo de pneu (remold) para ônibus e caminhões, o que é uma temeridade em termos de segurança, tendo em vista o esforço que este produto sofre em veículos pesados.

O passado recente mostra que neste tipo de mercado já houve de tudo por conta do preço menor de determinados tipos de pneus e também dos interesses daqueles que comerciam estes produtos. Tirado o mercado de pneus novos, nas lojas sempre foi comum casos de venda de pneus rechauchutados ou remoldados e, nas borracharias, até de usados que depois de lixados acabam simplesmente novamente riscados e vendidos (estes colocando em risco a segurança do consumidor). Esclareça-se que o mercado maior está com os pneus recauchutados (que recebem apenas uma camada de borracha sobre a banda de rodagem, com fixação por meio de colagem física) e com os pneus que a Portaria do INMETRO 133 denomina de remold (fabricados a partir de uma carcaça usada, que é objeto de re-industrialização, tal como se fosse um novo). Aliás, atualmente, estes últimos estão custando por volta de 50% menos que os novos, razão pela qual estão atraindo um número cada vez maior de consumidores, superando a 12,5 milhões de unidades comercializadas.

Por conta desta conjuntura, não há dúvida que o Brasil precisa encontrar um ponto de equilíbrio entre necessidades e interesses dos consumidores e a convivência social com a preservação da natureza. Temos aproximadamente 23,3 milhões de veículos, cada um com vários pneus, o que representa uma quantidade enorme de material a ser descartado a cada ano. Por mais que se inventem alternativas como fazer artesanato com pneus velhos ou aproveitá-los para fazer o que chamam de asfalto ecológico, mesmo assim, remanescem a céu aberto ou nos lixões, milhões de unidades que poluem o ambiente e colocam em risco a saúde da população.

Não se pode esquecer que faz anos que o Brasil convive com epidemias de dengue e que os pneus velhos abandonados, quando acumulam água, servem de local de reprodução para o mosquito que transmite esta doença. Então, esta é uma realidade que precisa ser equacionada com um cuidado extremo. Não se pode esquecer que depois de colocados no mercado, normalmente os produtos passam rapidamente da fase de utilização e degradação, para ingressar na categoria de lixo que ameaça o meio ambiente.

Em média, um pneu novo é utilizado em torno de 50.000 quilômetros, mas não pode ser eternamente reformado, sob pena de comprometer sua durabilidade, desempenho e, principalmente, segurança para o usuário. Sabe-se que, por enquanto, ainda não podemos dispensar o uso de pneus e que também é útil praticar o reaproveitamento deles através de uma reforma, mas é preciso entender que a importação de pneus usados traz para o país, produtos que virarão lixo muito mais rapidamente.

Deste modo, o Brasil comete um grande erro ao dar esta permissão, em especial porque esta cota de 250 mil unidades de pneus remoldados, na verdade não tem qualquer caráter restritivo, mas resume-se apenas em uma legitimação da quantidade que já vem sendo importada pelo mercado, caracterizando uma hipocrisia falar-se em limitação. Numa visão mais abrangente e de longo prazo, vê-se que ela certamente causará graves desvantagens, de nada valendo o preço mais barato destes produtos ou os argumentos em prol dos esforços de liberalização do comércio para a integração do Mercosul, pois eles não compensam os danos causados ao meio ambiente e a saúde da população brasileira. Preço baixo não é o único e nem o mais importante item a ser considerado em um produto, de modo que não serve para justificar este tipo de importação.

Concluindo, tem-se pelos motivos já apontados que, até por uma questão de coerência, deve ficar permanentemente proibida a importação de qualquer tipo de pneu usado (seja carcaça, seja recauchutado ou remoldado). E cabe ao consumidor consciente, que faz do ato de consumo um verdadeiro ato de cidadania, independente do atrativo do preço, abster-se de adquirir estes pneus importados (carcaças, remoldados ou recauchutados) contribuindo para haver menos danos a saúde da população e melhoras no meio ambiente, com reflexos na qualidade de vida de todos nós.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.