Consumo: considerações gerais sobre o fato, o conceito e a dimensão

Para aqueles que nos honram com a leitura dominical deste espaço, a partir desta edição, no intento de abordar teoria e prática, pretendemos alternar cada artigo essencialmente doutrinário, com outro mais focado na problemática do cotidiano das relações de consumo.

Inicialmente, ressalte-se a importância do consumo como fato social e como conceito jurídico. É fundamental perscrutar as características do que pode ser considerado como ato de consumo e mesmo, em específico, do consumo em si considerado (como fato jurídico).

Na realidade factual, a respeito do consumo existe uma dimensão que transborda a mera consideração de existência de um contrato. Ninguém deve centrar sua vida de forma que dependa completamente de aspectos materiais ou consumistas, mas não se pode ignorar que as relações de consumo constituem-se em elemento fundamental para a dignidade humana. Indiscutivelmente, satisfação e felicidade dependem em muito da qualidade de vida da pessoa e, neste aspecto, a falta de condições materiais aniquila, não sendo exagero dizer-se que: ?da qualidade de nossas relações de consumo depende a qualidade de nossas vidas e, às vezes, até a duração dela? (quem já precisou para si ou familiar dos serviços médicos e hospitalares em UTI, sabe bem desta realidade). Pelo consumo também se identifica o moderno conceito de pobre, como sendo aquele que não tem acesso aos produtos e serviços de que necessita.

Sob o ponto de vista jurídico, dos conceitos de consumo e ato de consumo é que se pode inferir se o contrato caracteriza ou não alguma das partes como sendo consumidor, sujeito vulnerável e carente de proteção específica prevista na legislação pertinente. A aplicabilidade do Código de Proteção e Defesa do Consumidor depende essencialmente desta caracterização de um dos partícipes da relação jurídica ser consumidor.

Até a primeira metade do Século XX, diante da inexistência de um código para reger as relações de consumo, o sentido da expressão ?consumo? era ligado primordialmente à idéia de destruição da substância daquilo que o agente adquiria e utilizava. As últimas décadas, entretanto, fizeram emergir para a sociedade a importância dos novos conceitos trazidos pelo ainda incipiente Direito do Consumidor. Desta forma, consoante o conteúdo da Lei 8.078/90 (CDC), valorizou-se a concepção de que consumo não significa, de forma precisa e imediata, a destruição da substância da coisa ou a eliminação do resultado do serviço através de seu uso ou fruição (mesmo que no aspecto fático isso às vezes aconteça). Genericamente, então, tem-se que consome produto quem utiliza e retira a utilidade final do bem como forma de satisfazer uma necessidade e consome serviço quem, também na condição de destinatário final, usa ou frui seus benefícios em prol da satisfação de uma necessidade, não sendo inexorável que a substância do produto ou o resultado do serviço tenham que ser objeto de destruição. Então, reiterando, destaca-se na figura do consumidor o fato de ser a pessoa que retira a utilidade final do produto ou serviço, inferindo-se a caracterização do consumo segundo os aspectos dos atos praticados pelo consumidor no contrato caracterizado como relação de consumo. Sob este espectro, podemos observar que em ato de consumo, normalmente também se salienta a característica de haver a retirada do bem (produto ou serviço) do ambiente de comercialização no mercado, razão pela qual, o código ao definir consumidor, utilizou-se da designação ?destinatário final?, que, implicitamente, refere-se à última etapa do ciclo econômico. No que refere a aplicabilidade do CDC tem-se, inclusive, que a referida expressão foi adotada em razão do cuidado para não se confundir a relação de consumo, com os negócios jurídicos constituídos por compras e vendas encetadas pelos fornecedores entre si, como forma de incrementar suas atividades empresariais (aquisição de bens de capital ou de insumos, por exemplo). Assim, nessas relações jurídicas em que ocorre contrato sem que se envolva consumo por destinatário final, tem-se circunstância de Direito Civil ou Direito Empresarial, portanto, alheia ao CDC. Esta questão revive a já mencionada polêmica entre os adeptos da teoria maximalista e os partidários da teoria minimalista. Os primeiros, desejando que a aplicação das normas consumeristas aconteça com base no consumo acontecido em qualquer fase do ciclo econômico. Argumentam que as contratações entre fornecedores também fazem parte do ciclo que compõe todo o processo que redunda no consumo e que certas circunstâncias carecem e são apropriadas para a aplicação de normas que o Direito do Consumidor consagrou como a melhor forma de fazer-se justiça (sob esta ótica o CDC faria o papel de lei das condições gerais dos contratos, diploma legal ainda inexistente em nosso sistema jurídico). De outra parte, os últimos entendendo ser melhor restringir a aplicação do CDC apenas às situações em que esteja presente um destinatário final (nunca para contratos entre fornecedores), pois só nestas circunstâncias a vulnerabilidade coloca este consumidor em desvantagem que precisa ser equilibrada pela lei como única maneira de atingir-se a igualdade isonômica prevista na Constituição Federal. Segundo a doutrina e a jurisprudência dominantes em nosso país, prevaleceu a posição de que consumidor é só o destinatário final, mas como temos uma visão diferenciada (que explicitaremos em futuro artigo doutrinário), para concluir, podemos resumir afirmando que consumo é essencialmente satisfação de necessidades, sendo ato de consumo, o conjunto de ações que o consumidor, contando com a contribuição do fornecedor que provê o mercado, realiza para esse desiderato.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Coordenador do curso de Direito da Unopar em Arapongas-PR. Diretor do Brasilcon para o Paraná.